Maria
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O Gigante Adormecido
essa noite eu tive um sonho. sonhei que caminhava numa estrada e ao longe vi uma montanha.

encantada, fui até ela e ao chegar perto, percebi que não era uma montanha, era um gigante adormecido.

então eu o chamei. não sabia seu nome e o chamei de montanha. ele acordou, mas logo queria fechar os olhos para dormir outra vez.

insisti na conversa e perguntei por que dormia tão profundamente e ele me respondeu que havia sido condenado por um rei muito bravo a dormir profundamente até que um dia um passarinho subisse no topo da nuvem mais alta e lhe trouxesse de lá, para ele beber, um cálice de ouro que continha o licor da vida e felicidade.

eu fiquei triste demais e disse lamentar que não tinha asas para voar e poder ajudá-lo... então ele suspirou e voltou a dormir.

e eu fiquei ali, contemplando aquele guerreiro adormecido.

então uma luz brilhou dentro de mim. descobri que estava num sonho e que no sonho tudo é possível, era só fechar os olhos e sonhar mais uma vez. e foi o que fiz.

fechei os olhos e sonhei dentro do meu sonho. sonhei que era um pássaro de asas muito grandes e fortes e, num instante, nele me transformei.

feliz, que agora podia ajudar o gigante adormecido, fui lá e com meu canto o acordei e prometi que logo, logo, teria em suas mãos o cálice de ouro com o licor da vida e da felicidade.

ele me alertou que não podia derramar nenhuma gôta desse licor no caminho e que não devia olhar para os lados, nem conversar com ninguém.

disse-me ser importante que prestasse atenção apenas ao meu objetivo: trazer o cálice até ele pra que pudesse beber e então ter vida e felicidade.

e lá fui eu voando pelos ares, enfrentando tempestades, raios, trovões, ventos fortes, fortes.

logo encontrei a nuvem e vi o cálice de ouro. deslumbrada tomei-o em minhas mãos e comecei o meu vôo de volta.

no retorno o caminho era diferente. pássaros, flores, festas, brilhos. tanta coisa diferente que fui me deixando deslumbrar, fui me deixando envolver e por fim, acabei esquecendo os conselhos do gigante adormecido.

quando vi, nem voltava mais prá terra. já estava lá, envolvida no mundo das nuvens, amarrada a tudo de novo que estava descobrindo.

então aconteceu: derramei em meu próprio corpo uma gota do licor que estava no cálice de ouro.

imediatamente lembrei do conselho do gigante adormecido. desesperada abri as asas e voei de volta à terra.

mas quanto mais voava, mas travada ficava. levei milênios e milênios nessa viagem de volta.

afinal cheguei: um pássaro virado num trapo, um farrapo. minhas asas machucadas, feridas, doidas, quebradas. meus pés com espinhos e em meu peito uma flecha encravada... e o sangue a jorrar..

quando cheguei e chamei o gigante ele entreabriu os olhos, me viu e disse:

- você derramou o licor. não deu ouvidos aos meus conselhos.

e eu chorei como uma criança ao ouvir o seu lamento e descobrir que não fui capaz de cumprir uma simples ordem, seguir um simples conselho.

então ele pegou o licor e o bebeu. imediantamente seus olhos se abriram e ele acordou por completo. levantou-se e me disse:

- porque você não ouviu os meus conselhos, porque não teve capacidade de os seguir, serás condenada a viver sempre assim, como um pássaro, como uma ave. e teu castigo vai ser voar e voar, com tuas asas quebradas, com teu corpo ferido, com teus pés cheios de espinhos e essa flecha encravada em seu peito, até o dia em que o rei achar que você já pagou o preço de seu pecado. e eu terei de voltar a dormir até esse dia chegar.

e então ele me pegou pela mão e me levou até uma janela e me mostrou uma visão:

nela, um homem, com um chapéu de palha onde estava escrito POETA, estava sentado sobre tronco de madeira com um pesado ferro na mão.

sobre o tronco de madeira estavam algumas pedras. o homem tomou uma delas, onde estava escrito PASSADO, colocou sobre a pedra, e com o pesado ferro começou a bater. em segundos a pedra se dissolveu.

então ele tomou a próxima pedra. nela estava escrito SENTIMENTOS. ele bateu com o ferro até que ela se dissolveu.

o gigante me disse que aquilo que ele me mostrava era uma visão do futuro. que aquele homem era ele no futuro.

depois me levou até uma outra janela onde eu podia ver a mesma coisa.

mas, ao lado do homem tinha uma mulher com um chapéu feito de penas onde estava escrito POETISA.

essa mulher repetia tudo o que o homem de chapéu de palha fazia. o gigante me disse que essa mulher era eu no futuro.

e então ele me tomou as mãos e me disse:

- de hoje em diante tua tarefa será convencer esse homem a parar de destruir as pedras que estão ao seu redor, porque será aquilo que está escrito na pedra que mudará a tua vda e a vida minha. para fazer isso poderás te transformar, em pedra, em flor, em gata, em ave canora, em luz, em festa, mas lembre-se: só há um jeito de ser que salvará a vida desse homem. e você terá de descobrir. e se descobrir, então serás novamente uma mulher e eu serei novamente um homem acordado prá vida.

e assim, depois desse último conselho, ele adormeceu e eu parti prá minha missão.

fui em direção da janela onde estava o homem com chapéu de palha:

vi que ele tinha ao redor dele várias pedras onde estava escrito: PALAVRA, MAIS SENTIMENTOS, MAIS PASSADO, HISTÓRIA, FLOR, CÃO, GATO, MONTANHA, SOL, LUA, AMOR, TERNURA, PAZ, PAIXÃO, ACALANTO, POESIA, LIVRO, HOMEM, MULHER, VIDA, e muitas e muitas outras palavras.

vi que o homem pegava mais uma pedra. daquela tinha várias espalhadas por ali - MAIS SENTIMENTOS, e a espatifava em um segundo.

lembrei-me de minha missão e comecei a realizá-la... passaram-se dois milênios e eu ainda não tinha conseguido.

então perdi as esperanças. desanimei. olhei pro lado e vi a mulher repetindo tudo o que o homem fazia.

então pensei: é ela. é ela que tem de ser diferente. ela que tem de parar de fazer isso. ela que tem de parar primeiro de quebrar as pedras. e corri na direção dela para convencê-la disso.

ela me olhou e disse:
- eu não tenho vida própria, sou herança, sou o espírito do poeta. se ele destruir sua vida, eu destruirei a minha.

desolada, voltei ao homem, ajoelhei-me em seus pés e chorei.

Chorava e implorava que não acabasse com seu mundo, sua vida, com os tesouros que estavam ao seu lado em forma de pedras, com os tesouros que tinha nas mãos.

apelava prá sua vida, pros seus sentimentos, sua história, tudo. e nada. ele não me dava ouvidos.

então lembrei que o gigante me disse que tinha uma forma, só uma de pará-lo com a destruição.

e neste momento uma luz me iluminou e descobri.

despi-me de minhas penas, pensei minhas feridas, abri o meu melhor sorriso e assim, como mulher, cheguei perto dele e lhe disse:

- SE NADA MAIS IMPORTA PRÁ VOCÊ. SE TUA VIDA PERDEU O VALOR, SE TUDO O QUE FIZESTE NÃO TEM MAIS SIGNIFICADO PRA TI, SE POR TUDO ISSO... QUERES MORRER... eu te ofereço o bem mais precioso que tenho em meu coração: EU TE OFEREÇO MINHA VIDA. TOMA-A E VIVE NELA, POR ELA, COM ELA, E POR ELA, COM ELA, NELA, ENCONTRARÁS TUDO O QUE PRECISAS PARA CONTINUAR A VIVER... E NÃO ESQUEÇA, DENTRO DELA, TEM AMOR SUFICIENTE PRA CURAR A TUA ALMA, PRA ACALENTAR O TEU ESPÍRITO, PRA TE DAR A INSPIRAÇÃO DE VIVER QUE PERDESTE.

então o homem, pela primeira vez me olhou de verdade e disse:

- POR VOCÊ EU FAÇO. POR VOCÊ EU FAÇO QUALQUER COISA.

e nisso o mundo se iluminou, se encheu de cores, o gigante adormecido acordou... o espirito do homem nele entrou e a vida floresceu outra vez.

eu? de mãos dadas com o gigante, me sentia também uma pequena gigante, me sentia mulher de verdade outra vez. e em meu coração a luz do amor e da paz brilhou no início de uma nova história...
Maria
Enviado por Maria em 27/05/2011
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