Maria
Prosa e Poesia
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Textos
A boneca de vestido amarelo
 
Lembro que minhas bonecas eram feitas de pano, pela mãe. Os olhos de carvão ou caneta.

Um dia, o pai ganhou uma linda boneca na roleta. Ela tinha uns 40 cm, cabelos longos, loiros e olhos azuis. Eu vibrei quando o vi chegando. Mas... a boneca não era para mim. Minha irmã a recebeu nos braços.

Um dia, magoada e roída de ciúmes, peguei da tesoura e cortei os cabelos da boneca. Se eu não podia tê-la, pensei, minha irmã também não. No entanto, mesmo a boneca com os cabelos picados, minha irmã a amou, cuidou e guardou por anos e anos.

Eu? Cresci. Já não era mais uma menina. Mas, de vez em quando falava sobre a tal da boneca "de verdade" que nunca tive.

Certo dia, meu irmão telefonou contando ter me comprado uma boneca. Ele sabia a importância que isso tinha para mim. Contou que ela era feita de estopa e tinha um lindo vestido amarelo. Ao seu lado, um saco, também de estopa, contendo grãos de feijão.

Pensa na felicidade. Eu, com 25 anos, finalmente iria ganhar uma boneca "de verdade". Então ele contou que eram três. Essa para mim, uma vestida de vermelho para minha irmã e outra, azul, para sua afilhada.

Num próximo telefonema, contou que no dia das mães havia dado a boneca com vestido vermelho para a filha de seu patrão. Ela era mãe solteira, o pai da criança era usuário de drogas, ele ficou compadecido e a presenteou com a boneca. No entanto, compraria outra antes de vir pra casa (residia em outro estado, mas decidiu voltar para a casa do pai) no início de junho daquele ano. Numa tragédia que ainda hoje me enche de dor, em meados de junho, pescando num costão, ele caiu e desapareceu no mar. Retornou à casa do pai como prometera – morto. Com suas coisas, duas bonecas. Uma vestida de azul e outra de amarelo. Ele não tivera tempo de comprar outra boneca para minha irmã.

Eu chorei abraçada à minha boneca por muito tempo...

Um dia a decisão: entreguei as duas bonecas pra minha irmã. Disse que meu irmão as comprara alguns meses antes de morrer e que a azul ela deveria entregar para a pequena afilhada enquanto a amarela era para ela. Tinha vencido afinal...
 
Hoje, cada vez que vou à casa da minha irmã espio “a minha boneca de vestido amarelo”. Não sofro mais. O amor me transformou..
Maria
Enviado por Maria em 07/08/2017
Alterado em 07/08/2017
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