O Vôo dos Pássaros
Fico impressionada em como ainda estamos preocupados com a eternidade da palavra que em si já se faz eterna - só pelo fato de existir -, do que de viver e registrar cada sensação, instante e emoção vividas. Já materializamos a poesia ao eternizá-la no papel. Ali ela se faz um ser fora de nós, seja gerada pela inspiração ou pela transpiração.
Continuo achando que as palavras inspiradas são mais belas, mais melodiosas, mais tocantes do que as transpiradas. Sei que não concordas, mas cada dia me coloco mais firme ao chão, segurando o meu lado do cabo de guerra. Quanto mais tu tentas me arrastar com esta história de “transpiração da poesia”, mais meus pés se firmam e afundam à terra na construção do “edifício de minhas palavras” inspiradas em minhas vivências e sentimentos. E não venha me dizer que isso não existe ou que não é poesia, porque então deverias jogar no lixo obras fantásticas de muitos autores do século passado também. Obras do próprio Neruda também que falava da chuva, das árvores, das montanhas, assim como as sentia naquele instante de inspiração...
Quero te perguntar uma coisa? Como tu sabes que Neruda, Vinícius, Cecília e outros, faziam este tipo de poema embrionário, de rara beleza, mas que não resiste ao tempo, senão pelo fato de que também estes se mantém eternizados, devidamente registrados, e resistentes ao tempo, após a morte do autor? Como vês teu argumento é fraco. Também estes resistiram ao tempo e fazem o coração queimar quando nossos olhos se debruçam sobre eles.
A posteridade amigo, de nada adianta a um poeta morto. É vivo que deve vivê-la. Sempre questionei isso de os poetas e escritores só serem reconhecidos depois de mortos. A mesma coisa se dá com aqueles que merecem que seu nome se torne em o nome de uma rua. Isso devia acontecer enquanto a pessoa vive e não só depois que ela morreu. Acho o fim da picada um negócio desses. Só mortos é que somos vivos. Já viu isso? É o fim!
Assim se dá com os poetas e escritores. É agora, neste tempo, que ele vive, e não dentro da sepultura onde não ouvirá mais um som sequer de qualquer aplauso que porventura vier a receber por ter tão arduamente, escalpelado, machadado, podado, talhado, cortado, feito deficiente, manco, ou como tu dizes... "transpirado" o seu texto ao invés de tê-lo somente "inspirado".
E veja, se aqueles textos "nanicos" que Mário Quintana escreveu e jogou fora, fossem natimortos, mesmo sendo ele vivo, alguém (César Pereira que os recolhia para seu arquivo pessoal) não os teria recolhido e guardado para que agora tu e eu soubéssemos que eram descartados ao nascerem.
Por isso meu amigo, não me preocupo com o edifício da palavra. Nem com a celeridade de minha "obra eternamente embrionária" e nem mesmo se o texto já nasce natimorto. Em mim ele é vivo. Em mim ele vive ainda, mesmo que já fiz o parto e o joguei para sentir o ar do jardim onde o plantei.
Preocupo-me sim, em que vamos esquecendo aquelas pérolas que temos guardadas dentro da mão, preocupados em "transpirar" cascalhos e o tempo vai passando e os poetas vão morrendo e com eles as palavras que enterraram dentro de si, com medo da "imperfeição".
Depois de morto, tua mente não liberará nenhuma vírgula sequer e teus olhos não verão a alegria que nós leitores temos em ler-te enquanto vives. Queremos ler teus textos agora. Depois que tu te fores prá eternidade, serão nossos netos que te lerão e que farão as edições do que hoje escreves. E isso não vai mudar, transpire tu teus textos ou não...
E desculpa manchar outra vez tua página com as pegadas insanas da minha imperfeição em entender e compreender que não passo de uma "Pálida Rosa", de pálidas e imperfeitas palavras, ditas na celeridade dos meus sentimentos e emoções que devo dizer, tecem uma à uma, com muito orgulho dentro da concha que balança no mar, a minha poesia querida, num "mundo por mim concebido: sempre com pressa, "a vol d'oiseaux"*, voejando num tapete mágico sem ver os detalhes do edifício da Palavra"...
* num vôo dos pássaros
Maria
Enviado por Maria em 05/06/2008