Diário de Uma Prisioneira (VI)
A exuberância de folhagens de cor de verde frescor, de sombra, enchiam-na de um grande entusiasmo. Dizia a si mesma que estava viva, que seus ossos não branqueavam mais, e que um inacreditável milagre permitira-lhe continuar "Sempre em Frente".
Os campos ocultos pelas sombras das árvores, apresentavam-se aos olhos que os contemplavam, com o mesmo aspecto encrespado dos domos folhosos, laqueados de luz.
Campos longínquos, onde nem mesmo o som dos sinos da igrejinha da vila ao lado, podiam chegar. Horizonte de planície invisível, dominada pelo trigo e o vento que assovia dia e noite, noite e dia.
Com que finalidade Deus a reconduzia em sonhos, ao quadro familiar que lhe moldara a alma? Para qual lição, que ela se recusava a entender? Para a descoberta de qual verdade que dela se escondia desde a infância nas dobras dessa terra, desses campos azulados pela névoa da manhã e batido pelas vagas do vento minuano, que no rigor do inverno que se inicia, dobra as hastes de trigo sem trégua?
Terra dos Índios Guaranis, das guerras religiosas, de revoltas e pilhagens, das Missões dos Padres Jesuítas, dos Farroupilhas e Maragatos...
Não ficavam perto dali, as ruínas de São Miguel das Missões, onde as tropas católicas catequizaram o povo guarani e construíram catedrais de pedra pura com os braços escravos dos donos da terra?
É no sangue desta terra que nada a história do povo guarani. E é no sangue desta terra que ela veio à luz e neste barro que moldara seu espírito.
E era agora, diante destes campos cobertos de neblina, com a aurora já brilhando na linha do horizonte, que uma visão lhe obsedava: a de que um cavalheiro aparecesse pelos trigais, batesse à porta do seu coração, a tomasse nos braços e lhe murmurasse aquilo que em seus sonhos mais íntimos, não escreveu senão para uma única mulher...
- “ Minha inesquecível”...
Maria
Enviado por Maria em 12/07/2008