Maria
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Diário de Uma Prisioneira (VIII)
O tempo passou mesquinho, roubando história e sonhos. Deixou um rastro de pó que ela cobre de lágrimas para formar a argila de uma nova estrada. Estrada que se inicia nas lutas, vitórias e derrotas, dos claros e escuros, da morte e da vida, nos calcanhares de um passado que o tempo cuidou de apagar.

A vida e a morte misturavam-se tão estreitamente que a cada dia era necessário perguntar sobre o que, em verdade, era importante: viver ou morrer, morrer ou viver !

Assim se aprende a conhecer-se. E agora ela se conhecia. E isso talvez fosse o mais desesperador. Enquanto uma mulher duvida de si própria, ainda é possível fazê-la mostrar-se razoável, maleável.

Mas quando atinge a maturidade do espírito, estando de posse de si mesma, pode-se temer o pior, pois não obedece mais senão as próprias leis. E era isso que ela temia. As suas próprias leis, regidas por um temperamento genioso e insuportavelmente apaixonado pelo desconhecido que rondava sua alma.

Temia não a si mesma, calma, tranqüila, serena, mas as outras de si, estabanadas, enroladas, intempestivas. Era a sua personalidade desconhecida até então que ela temia ao descobrir-se.

Alguns aspectos dessa personalidade eram inúmeros e se apresentavam como vagas sucessivas, surgindo, uma após outra, dos repetidos embates em sua vida. Guerreiras empunhando bandeiras que quanto mais miseráveis e perdidas, mais aguçavam seu espírito ávido de guerras interiores.

E não havia como reter a marcha do destino, o impulso irresistível que sem cessar levava sua existência para lá e para cá, por abandonar-se a flexibilidade, aceitando-se diferente a cada dia e não procurando se definir.

A vaga de sua misteriosa odisséia levara-a para além das aparências. Não mais se contentava com ilusões e nem com mentiras. Sabia-se detentora de sentimentos profundos nunca antes sentidos. E essa verdade fazia nascer a mentira de sua vida. E as lágrimas nasciam-lhe nos olhos ao pensar que, agora, não importava mais a ninguém ela saber essa verdade. Descobrira tarde demais - mesmo que não seria a mulher que era se tudo passasse desapercebido em sua vida -, descobrira tarde demais...

Sentia-se fraca. Era fraca. Mas, sentia-se forte com as descobertas de si mesma. Seria ela uma contradição? Sabia-se forte e fraca ao mesmo tempo e isso a assustava. Sua força vinha do seu desprendimento, da descoberta de quem era, mas sua fraqueza nascia de saber-se pequena e impotente, de não poder amalgar-se aos sonhos que sonhou com tanta intensidade.

Sentia-se mulher até a medula dos ossos. Mas de que adiantava saber? Agora o sol já tinha se ido, os ouvidos se calaram, as vozes ficaram surdas... Chorando, desejou ser menina outra vez, para viver a inocência das descobertas ainda escondidas...

Que adiantava ser mulher? Como poderia viver sem o amor, sem a beleza das flores do jardim, o cântico do pássaro da manhã, o amanhecer de uma noite, e o alvorecer de um dia enluarado?

Lentamente caminhou até a janela do tempo. Abriu-a emocionada pela duodécima vez naquele minuto. Nada viu. Ninguém encontrou. Via só sua imagem na última página de um livro que um dia escreveu. Via o que os olhos podiam ver: as pétalas de uma rosa dourada ou um espelho d`água rondando sua imagem de duas voltas da terra ao redor do sol:

Onde estava sua vida? Onde o sol que lhe fazia luz e a quem deveria iluminar?... Desejava ardentemente passar sua vida iluminada nessa luz que girava entre dois grandes espíritos, elos que se acham após longo tempo perdidos de si mesmos. Então, ela não seria essa sucessão de dias marcados pela dor, pela espera vã, a alegria cortada pela raiz, a angústia a contemplá-la ainda ferida, com as marcas do martírio pousadas como um véu sobre sua face, deixando apenas entrever-lhe os traços purificados pelo sofrimento e a saudade que agora fazia a eternidade em sua vida... desde que encontrara, abandonada, como uma flor ao léu, o Fim.
Maria
Enviado por Maria em 12/07/2008
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