Embrião de Poeta
Sou um embrião de dois mil anos atrás. Nasci à fórceps. Me puxaram, ou melhor, empurraram prá nascer.
Forçada à nascer, nem bem abri os olhos, e já estava largada na rua, sozinha. Foi assim. E me vi boiando num mundo que nunca mais tinha visto. Digo, nunca mais, porque no passado, em minha adolescência vivia dentro dele.
Depois, perdi o contato, arrebentei o fio que nos ligava e parti para tentar mudar a realidade ao meu redor. Tentar, porque mudar, mudar, é difícil, visto os cisnes teimarem em viverem como patinhos feios.
A bem da verdade, sou igual. Sou um lindo cisne dourado, de asas grandes e fortes, que teima e teima em ser um pobre e enferrujado patinho feio.
E por isso volto ao início, para o embrião. É por causa dessa teimosia que continuo sendo um embrião. Um louco e teimoso embrião que briga prá sempre voltar prá dentro da barriga da mãe. Mas a mãe, minha vida, mudou. E hoje não aceita mais embriões em seu colo. Quer filhos fortes e corajosos. Não sou um destes.
Minha parteira, aquela que usou de fórceps prá me puxar, fugiu do condado. Sumiu. Não vejo em lugar nenhum. Fazem centenas de anos que desapareceu. Deixou apenas um bilhete muito triste. Contou de uma festa que não houve. Falou de estrelas, de mulheres, de escorrega de crianças, de casa de velhinhos e ausentou-se deste mundo, o mesmo onde me forçou à nascer. Era ela a única que podia me ensinar a ser gente. A crescer neste mundo hostil e ao mesmo tempo tão maravilhoso e louco.
Com sua fuga, fica declarada minha sina: Agora tenho a impressão de que nunca passarei de um embrião.
Um embrião de poeta que, segundo a crítica, só sabe construir confessionário íntimo e cantar poemas ainda no tempo embrionário de ser.
Descobri quem e o que sou afinal: Nada. E tudo ao mesmo tempo. Um embrião. Embrião de poeta. Um lindo, cantante, dourado, e eterno embrião de poeta! E isso devia ser extraordinariamente maravilhoso!!!! Não fosse a parteira ter sumido...
Maria
Enviado por Maria em 21/12/2010
Alterado em 21/12/2010