Guerra Interior
Eu quero. Eu quero nadar nas ondas mais altas dos meus sonhos, construindo escadas, derrubando muros, fazendo castelos, palácios e plantando flores, mesmo que com espinhos. Com todos os espinhos que eu tenho, que você me deu, cravou em mim, que nasci com eles.
Quero espernear de amor, ferver, arder, queimar em desejos, enliar em anseios e gritar os anelos do meu coração.
Nem que hoje seja a última vez. Nem que amanhã me cale, não possa falar, me fechem prá sempre os olhos e esfrie o corpo que agora parece uma fornalha incandescente.
Eu quero, eu preciso dizer que hoje sou a mais feliz das mulheres por sentir o teu amor, o teu imenso amor por mim. Que hoje não sou feliz, que choro, que sinto... sinto e sinto... o que nem consigo saber e escrever o que miseravelmente sinto em meu interior.
Mas eu quero. Ah! Como eu quero. Quero! Quero! Quero sim! Quero atingir o ápice de meus sentimentos, arrancar de dentro de mim as profundezas das palavras que busco desvairadamente dentro de mim.
Quero rasgar com minhas idéias pré-concebidas a respeito de eu não conseguir ser quem todos dizem que eu sou. Quero me descobrir outra vez. Quero ser descoberta. Aberta. Pesquisada. Procurada e abraçada, beijada, amada, seduzida, na realidade, nos meus sonhos, nas minhas ilusões.
Quero arrebentar correntes, cordões e laços que ainda me prendem ao medo de dizer o que realmente quero. Ao medo de sempre enfastiar, cansar e ver todos fugirem de mim como foi.
Quero falar o que nunca ninguém ainda falou. Quero inventar palavras, fazer o meu próprio dicionário porque este que tem, que existe, já não me tem mais valia, pois não encontro nele as palavras que preciso. Faltam todas. São poucas ou demais e não tem tanta emoção como sinto e quero exprimir.
Quero abalar meus conceitos. Desestruturar meus pré-conceitos, arruinar a mediocridade do meu pensar, do meu falar, do meu agir.
Quero explodir e rodopiar como um cometa nas letras e atingir a velocidade do furacão em conduzir minha escravidão às palavras, para a vida, para a luz, para o céu, para o inferno, para o infinito, o universo e toda sua eternidade. Dessa, da outra, daquela, e dessa ali também. De todas, todas elas enfim.
Que ela seja eterna. Que contenha luzes. Que nela brinquem anjos e crianças chupando caramelos, com sacos de pipoca na mão. Que eu veja o algodão-doce que nunca comi de pequena. Que sinta o sabor da maria-mole que todos tinham e eu só ficava olhando. Que tenha o gosto gostoso do "arroz-doce" só da Páscoa, do "sangarí" só do Natal, do suco de limão com bicarbonato, prá fazer de conta que era uma "gasosa", que as crianças tinham e eu nunca via em minha frente.
Preciso ver nas minhas palavras a minha dor, prá arrancá-la de dentro de mim. A dor de não ter tido sempre um pai, como eu tive meia vida. Só meia vida de pai. Meu Deus! Por que? Só meia vida de pai. O resto eu perdi. Perdi prá cachaça, prá graspa, perdi para os bares da meia-noite, prás brigas da madrugada, prá surras sem motivo, pros imploros de perdão.
A dor da fome que me roeu as entranhas e fazia doer a vida. De ter de pedir pão. De ter de vender a única moranga, o último pé de alface, e comer só polenta seca, sem leite, sem carne, sem nada. De não ter nada prá comer. Nada. Nada. Nada. Meu Deus como dói. Como isso dói!!!!
Aquela dor, a dor dos excluídos, encravada em mim à ferro e fogo e consumindo a minha alegria cada vez que vejo como o mundo rejeita, despreza, separa, afasta e mata, aqueles iguais a mim.
E quero ousar gritar, brigar, xingar, estourar em palavras que demosntrem toda minha revolta, minha insatisfação com as mazelas que o mundo constrói. Que o mundo busca. Que o mundo é.
E vou chorar todas, todas as minhas lágrimas, como essas que descem agora, largas, encachoeiradas, embravecidas e beiradas ao desespero que me toma por não conseguir ser tão forte, tão larga, tão alta, tão profunda como os meus sentires, como a minha emoção.
E que sofram as letras, as teclas, que gritem, gritem de dor, a cada toque meu. Que sofram elas o que sinto. Que carreguem elas o meu pesar, a minha dor, a minha saudade, a minha angústia, o meu medo de nunca mais ouvir a voz que me fez nascer, que me pariu, que me trouxe ao mundo e que agora se cala, se esconde dentro de si...
Porque o que eu sinto, ninguém sabe. O que eu quero dizer, ninguém jamais ouviu, nem eu mesma sei, nem eu mesma compreendo, nem eu mesma consigo discernir.
Porque hoje me deixei ferir por tuas palavras, numa overdose de loucura, numa embravecida ânsia de querer e mais querer, de buscar e buscar desesperadamente o que me tiraste assim tão brusca e doidamente.
Hoje eu quero que você leia minha carta e ria loucamente ao ver o meu amor, que se perca na confusão de minha fala, que se enrole e ataboalhe como eu me deixo ataboalhar, que se avexe e embarace ao sentir minha paixão, meu desejo, minha vontade de estar contigo e te amar.
Hoje eu quero que chore copiosamente por sentir a minha dor. Quero que sinta o que sinto. Que viva o que eu vivo. Que seja o que eu sou. Porque eu fui você. Sou você e tudo que fiz, que faço, que deixei de fazer, que ainda farei, eu sei, é por você. Somente por você. Por você é o meu amor, a minha loucura, a minha insanidade, os meus sonhos mais íntimos, mais pertos de mim, mais dentro do profundo do profundo de mim. Do oco do oco do meu ser.
Porque hoje eu senti os adeuses, as solidões, os mundos vazios, o tempo, o tempo e o tempo que separa, faz morte, faz choro, faz dor, faz e trouxe sofrimento à tua vida, às tuas palavras, ao teu falar.
Porque hoje chorei tua paixão. A dor dela. A falta dela. A indiferença. A insensibilidade. A ingratidão tua, minha.
Me deixei cortar pelo desespero dos esquecidos, pelas portas fechadas, pelas sombras, pelo escuro do parafuso, pelo fundo-do-lodo, o brejo, o mundo vazio, a morte, o fim dos sem fim, dos sozinhos, dos partidos, dos feridos, dos ferinos, dos quebrados e dos perdidos.
Hoje vibrei de felicidade com teu amor, me deixei amaciar pela brandura e ternura das tuas palavras, pelo carinho sentido, pela festa recebida, pelo amor enternecido.
E por isso preciso gritar. Gritar tuas ânsias. Teu amor. Tua paixão. Teu sofrimento. Tua dor que junto com a minha roda, rola, machuca, corrói e deixou de sobras e sombras, o silêncio, a ausência e a dor.... a dor.... a dor... a dor... a dor, a saudade de amor...
Hoje não quero calar. Não quero aquietar esse raivoso sentimento de perda, de dor, de sofrimento de nem conseguir expressar e entender o que sinto.
E mesmo assim, ninguém nunca vai saber. Nem eu. Nunca. Ninguém. Ninguém nunca vai descobrir o que me atiça e revolve as entranhas de meu ser, me fazendo gemer, gritar e derramar tonéis de água de sangue... por não conseguir, mais uma vez... não conseguir dizer tudo o que preciso, o que quero, o que sinto, o que está aqui, o amor brilhando, a paixão vivendo, a saudade angustiante crescendo dentro de mim... formando esse vulcão, essa tormenta, essa tempestade, essa guerra, essa imensa guerra interior...
Maria
Enviado por Maria em 08/07/2011