Maria
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A Boneca de Vestido Amarelo
Lembro que minhas bonecas eram feitas de pano, pela mãe. Os olhos eram feitos com carvão ou caneta.

Um dia meu pai jogou na tal da roleta e ganhou uma linda boneca no jogo. Ela tinha uns 40 cm, cabelos longos e loiros e olhos azuis. Eu vibrei quando o vi chegando. Mas... a boneca não era para mim. Minha irmã a recebeu nos braços.

Um dia, magoada e roída de ciúmes, peguei a tesoura e cortei todos cabelos da boneca. Se eu não podia tê-la, pensei, minha irmã também não.

No entanto, mesmo a boneca sem cabelos, minha irmã a guarda até os dias de hoje.

Eu? Ainda sonhava, um dia, ganhar a minha. No entanto, isso nunca aconteceu.

Eu cresci. Já não era mais uma menina. Mas, de vez em quando falava sobre a tal da boneca que nunca tive e de como sempre quis ter uma.

Um dia, meu irmão me telefonou e contou que tinha me comprado uma boneca de presente. Ele sabia a importância que isso tinha na minha vida. E me contou que minha boneca era feita de estopa e tinha um lindo vestido amarelo. E que ao lado dela havia um saco, também de estopa, cheio de grãos de feijão.

Imagina minha felicidade. Eu tinha 25 anos e finalmente ia ganhar a minha boneca. Uma só minha. Então ele me contou que havia comprado três. Essa para mim, uma com vestido vermelho para minha irmã e uma com vestido azul para a afilhada dele.

Num próximo telefonema, no dia 26 de maio daquele ano, ele contou que no dia das mães havia dado a boneca com vestido vermelho para a filha de seu patrão. Ela era mãe solteira, o pai da criança era usuário de drogas, e os pais da menina, além de não aceitarem a gravidez eram muito duros com ela que só chorava. Ele ficou compadecido e no dia das mães deu a boneca de presente pra ela.

Mas, disse, iria pra feira comprar outra pra minha irmã antes de vir pra casa (ele residia em outro estado mas decidiu voltar pra casa do pai) no início de junho daquele ano.

Numa tragédia que ainda hoje enche os olhos de água e inunda o coração de dor, no dia 06 de junho daquele ano, pescando num costão, ele caiu e desapareceu no mar. Só o achamos no dia 11 e no dia 12 ele chegou na casa do pai como prometera – só que morto.

Com suas coisas vieram duas bonecas. Uma de vestido azul e outra de vestido amarelo. Ele não tivera tempo de comprar outra boneca para minha irmã.

Eu chorei abraçada à minha boneca por muito tempo...

Um dia tomei a decisão: entreguei as duas bonecas pra minha irmã. Disse que meu irmão as comprara alguns meses antes de morrer e que a azul ela deveria entregar para a afilhada dele enquanto a amarela era para ela.

Eu tinha vencido afinal. O amor tomara o lugar da inveja e do ciúme.

Hoje, cada vez que vou à casa da minha irmã vejo “a minha boneca de vestido amarelo”. Sei que é minha. Mas, não sofro mais por isso. O amor já me transformou...

Minha irmã é mais, muito mais amada e importante do que a boneca...
Maria
Enviado por Maria em 23/08/2014
Alterado em 23/08/2014
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