Maria
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O Homem da Gota de Sangue
O pai contava o que toda vizinhança espalhava: que o homem aparecia para quem entrava naquela parte da floresta e pedia uma gota de sangue.

Eu? Me arrepiava toda, afinal era apenas uma menina de tranças no cabelo. E, diante do que entendia ser real, morria de medo de entrar lá outra vez.

Adorava brincar na mata fechada. Isso, é claro, até o dia em que o boato surgiu.

O pedinte de um gota de sangue começou a ser chamado de Gentil e o pai dizia que ele havia vivido na época da escravidão. Então sabíamos: o homem já era morto e isso nos enchia ainda mais de medo.

O medo era tão latente que sempre que alguém tocava no assunto o fazia meio que sussurrando e olhando para os lados, imaginando, decerto, que o homem poderia aparecer ali e arrancar à força alguma gota de sangue de alguém desprevenido.

E a imaginação sobre o assunto voava alto, juntamente com as coisas que iam sendo espalhadas a cada um que contava o caso adiante:

- Dizem que ele pede uma gota de sangue e quem a entregar vai receber um mapa para encontrar um tesouro, diziam.

- Não, a gota de sangue não é de verdade. É um código, uma letra ou palavra que o homem quer para então entregar algum pote de ouro, falavam.

Alguns diziam que ele queria uma gota de sangue para poder morrer de fato, que não estava bem morto, ou então... porque queria voltar a viver.

Chegaram até a dizer que o homem existia de verdade e surgia para “pegar” as crianças para “tirar” todo o sangue delas. E que a redondeza estava cheia desses “tira sangue” que apareciam num fuscão preto todo brilhante e barulhento.

Ahhhhhhhhhhhhh! Que me arrepiava toda só em imaginar o que estava por detrás do mistério.

E, à noite, ficávamos tempo sentados em nossos banquinhos ouvindo o pai, à luz do lampião de querosene, contando casos e mais casos de pessoas que haviam visto o homem e se apavorado de tal maneira que nem conseguiam mais falar o que aconteceu de fato...

Claro que eu, pequena e sonhadora, acreditava na história e ainda inventava mil e uma coisas que poderiam acontecer caso tivesse coragem de entrar na mata outra vez e encontrar o tal Gentil com seu pedido inusitado.

Então, eu lhe daria uma gota de meu sangue e ele me levaria para conhecer mundos inimagináveis, pensava. Sonhava com castelos, rios enormes e cascatas gigantescas. Também imaginava voar pelas nuvens dos céus segurada por sua mão. Ou ainda, ser uma princesa de algum reino dos encantados...

Ah! Como eu sonhava com o tal do homem que pedia uma gota de sangue...

Mas, o medo não me permitia entrar na mata para resolver aquele mistério.

Hoje, penso que a história era uma estratégia muito bem elaborada pelos pais para evitar que nós, as poucas crianças da vila, adentrássemos a mata cerrada e nos perdêssemos dentro dela...

Vai saber...

Mas... que o mistério do homem da gota de sangue me persegue até hoje, ah, isso persegue...
Maria
Enviado por Maria em 29/10/2014
Alterado em 29/10/2014
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