O Solitário da Solidão
Sabe aquela sensação de que algo que você faz, pensa ou disse é o reprise de algum fato do passado de tua vida? Ou, aquela sensação de que aquela paisagem, aquele momento, aquele fato já aconteceu um dia e você tinha esquecido? E que de repente, num gatilho do tempo, a memória desperta e você o recorda? Simples assim?
Pois é. Já senti isso inúmeras vezes. Algumas vezes não consigo imaginar como ou porque tenho a “impressão” de lembrar de que aquele momento já aconteceu. Em outras, a realidade e a imaginação se misturam, e se misturam e você não sabe mais o que é ou não real.
Tem sido assim nos últimos meses. Me peguei, com frequência, sentada em minha cadeira de balanço, olhando os carros deslizando na rua lá embaixo, o silêncio me envolvendo, os pensamentos se misturando ao ar, aos cheiros, aos sentimentos e de repente.... o olhar fica perdido, perdido, no horizonte, no vazio...
Quando “volto” de meu mergulho no nada tenho a nítida impressão de que já vivi aquele momento. E que foram tantas e tantas vezes que o vivi que ele está de certa forma “impresso” em minha alma.
Então hoje fiz uma descoberta. Ao abrir os olhos para a realidade à minha volta após uma dessas viagens pelo silêncio de mim mesma me vi pequena outra vez. Uma criança ainda.
Uma criança que via sua mãe sentada na cadeira da varanda, olhos azuis claros – que eu sempre sonhei ter-, quase transparentes, assim... assim, fixos no nada, no horizonte, num mundo que só eles sabiam existir.
Naqueles momentos em que espiava minha mãe assim, uma sensação de medo, de pânico me invadia. Não saberia, na época, explicar o que pensava e sentia, mas a sensação do medo que sentia ainda hoje me é palpável ao lembrar.
A impressão que eu tinha é que minha mãe não estava mais ali, que seus olhos eram transpassados pelo tempo e que ela pairava, estática, em outro universo ou mundo. E sempre imaginava que ela nunca mais voltaria, que um dia poderia acontecer de ela nunca mais voltar... Ela parecia tão só, tão triste, tão melancólica nesses momentos...
Hoje descobri que não. Que o que minha mãe vivia não era a solidão solitária. Que naqueles momentos ela mergulhava no profundo de sua própria alma, voava nas alturas de seus próprios sentimentos, se vendo, se conhecendo, se reconhecendo, em seu mais sublime e profundo eu...
Hoje descobri, em mim, que naqueles momentos de profunda reflexão, minha mãe estava sim em solidão... mas... não aquela solidão solitária... e sim... a solidão consigo mesma...
Maria
Enviado por Maria em 03/03/2015
Alterado em 03/03/2015