Maria
Prosa e Poesia
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Flor No Cabelo
Que me importa se tivesse que dormir numa maloca e pela manhã cedinho ver meu homem saindo pra caça levando nas costas um arco e flecha, trançados em fibras e enfeitados com penas coloridas...

Falaria pouco e talvez sorrisse mais...

Os homens conversariam sob o sol da manhã e as mulheres trabalhariam no preparo da farinha de mandioca. Eu as ajudaria e seria uma delas...

E poderia vê-las espremendo as raízes, ralando tudo na áspera casca das cabaças para depois esmagarem com bastões, a ponto de poderem ser penduradas em malhas de fibra a fim de secar.

Eu saberia que elas eram fortes porque apreciariam um trabalho cansativo, indiferentes ao calor, aos insetos e ao peso dos pequeninos pendurados ao seio a se alimentar.

As crianças brincariam nuas ao sol, construindo a inocência intocada pelo mundo exterior.

Seríamos felizes daquele modo, saberíamos conduzir bem as nossas vidas. Teríamos tudo, inclusive a felicidade.

Até que alguém viesse e apontasse as nossas deficiências...

Cedo ou tarde, eu sei, isso iria acontecer...

Os "civilizados" chegariam ao nosso lugar e nos ensinariam a ter vergonha de nossa nudez e a adotar os costumes que trouxessem embutidos como presentes em suas bagagens, costumes dos quais jamais necessitaríamos...

E por que fariam isso os conquistadores?

Para colocar as mãos nas riquezas que se escondem sob nossas terras... Porque a ganância é ilimitada e já dizimou a maioria das nossas nações...

Já não veríamos mais guerreiros altivos nas canoas de apenas um tronco, deslizando velozes ou serenas nas águas profundas e escuras do rio. Nem a indiazinha de flor no cabelo, sorrindo para a imagem de mulher refletida nas águas, enquanto brinca traquinas com os raios de sol da manhã...

Nem mesmo à noite seria igual, pois não haveriam mais fogueiras acesas e nem homens com penachos coloridos na cabeça e fibras ao redor da cintura, conversando confortavelmente em pequenos círculos ao redor das chamas...

Não ouviríamos mais a claridade do fogo da fogueira na massa escura das árvores, nem o som das águas correndo, o canto dos pássaros e os gritos ocasionais dos animais...

Essa paz não existiria mais: aceitação sem perguntas e vida reduzida às necessidades básicas; a simplicidade de um povo seria tida como perigo para a sociedade...

E... não mais sobreviveríamos às malocas de cimento, à camada de ozônio, nem ao aroma sufocante do gás carbônico que cobriria como lençol a aldeia de torres de pedra, nublando o sol.

... enquanto a terra seria apenas um mero objeto, uma mercadoria de negociação entre brancos... com o saldo de vitória da morte de um povo... já conquistada e decretada...
Maria
Enviado por Maria em 03/08/2015
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