Maria
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Textos
O Cheiro Anil da Cidade
 
Quem me conhece sabe que sou caseira e amo cada gota de silêncio e beleza de minha casa e jardim. E sabe que sou avessa à bancos, shoppings, lojas, supermercados e muvucas nas ruas da cidade.

E foi numa quarta à tardinha que precisei ir até o centro comprar um chapéu especial para as samambaias (cachos) do meu filho. Embora moro há anos em Blumenau não sabia onde ficava a loja. Nem meu marido. Imaginamos que era na esquina da Beira Rio com a rua lateral do Glória. E foi ali, em frente ao Cafehaus que meu marido me deixou enquanto seguia seu caminho até a outra ponta da cidade.

Caminhei duas quadras e descobri que a loja não era ali, mas perto da Prefeitura. Eu ainda não estou 100% - por estar sem praticar atividade física depois do 25 de março - e nem mesmo sei andar na rua, que dirá no centro. Me sinto perdida, pernas bambas, avoada, sem rumo, fora do planeta. Mas, me enchi de coragem e fui caminhando pela XV em direção à Prefeitura.

Cheguei na loja, entrei e comprei o que precisava. Recomecei o caminho de volta até onde meu marido iria me pegar. Já era noite.

Foi quando de repente algo aconteceu.

Eu senti a rua. Seu cheiro, sua cor escondida nas sombras de luzes. Senti surpresa. Depois de 25 de março era a primeira vez que caminhava a pé pelo centro da cidade outra vez.

Parei. Olhei para o alto e foi essa visão que tive, os sinos da torre da igreja e as flores antes deles. Fiquei lá olhando o tempo, o céu, o ar, as luzes, as pessoas passando rápidas, falando ao celular, rindo, de mãos dadas, abraçadas... outras caminhando sozinhas, caladas, pensativas... Fiquei lá,  tonta, atordoada, olhando a vida fluindo...

Parecia que nunca tinha visto a cidade desse jeito, dessa profundidade, com um sentimento de ver tudo diferente e com mais nitidez. As flores, o banco, a torre, o céu, os sinos...

Voltei a caminhar e nada parecia igual. Tinha impressão de estar em outro mundo, de pisar em algodão, de nem estar ali. Tinha a impressão de que ninguém me via, era um ser transparente e invisível. Tive vontade de, camuflada assim em minha existência, tocar as pessoas, as coisas, as flores, a torre, os sinos, o céu...

No entanto, fui eu que fui tocada pela noite, pelo cheiro, pela cor, pelas pessoas, pelas flores, a torre, os sinos, o céu anil eternizado dentro da minha retina...

Texto e foto:
Maria
Enviado por Maria em 14/08/2019
Alterado em 14/08/2019
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