Reconheço minhas imperfeições,
sei dos meus descambos de raiva,
de assombro, de ciúmes... sei lá...
Sei que minha fragilidade está em não acreditar,
não me entregar inteiramente aos sentidos da alma.
Quando minto pra mim mesma que não amo,
quando tento ludibriar meu próprio coração,
quando escondo minhas verdades
e quando insisto em permanecer onde não mais estou.
Sou indelicada, insolente e desmedida.
Avanço com raiva sobre quem invade meu mundo,
grito, esperneio, depois vou ao outro extremo
e me calo por séculos, nem olho mais o sol,
nem a noite de estrelas, me agarro à dor
à solidão, ao isolamento que eu própria me fiz.
Sou teimosa, dengosa e ao mesmo tempo
intempetuosa, determinada e guerreira
nos momentos certos quando a vida me exige.
Luto até o fim para erguer quem caiu,
carrego no colo quem não consegue mais andar,
levo nas costas quem tem medo das escadas da vida,
empurro para o voo quem tem medo de saltar.
Mas, talvez por um infortúnio do tempo,
nasci de arco e flechas na mão.
Arqueira, miro nos olhos da vida
que quer destruir meu contexto,
meu cantinho de só amor e só emoções.
Defendo como leoa meus dois anjos de vida.
Mas, depois, eu mesma, derrotada,
acendo a fogueira e deleto meu jardim
corto a árvore que eu sei que sou,
arranco tuas pegadas do meu HD da memória,
rasgo em pedaços as folhas dos livros
que carrego nas gavetas da vida.
Depois, arrependida volto para tudo
mais uma vez reconstruir...
Com meu bico recolho os cacos, os ciscos
as tigelas quebradas, os vidros da janela
caídos ao chão... e faço remendos,
conserto as rachaduras com o sangue das mãos,
e fica assim o meu mundo, remendado,
imagem dos desastres que eu mesma -
tempestade, ciclone, bomba nuclear - me fiz...
Nessa ambivalência, de ser ou não ser,
de amar e não saber amar,
de chorar e rir ao mesmo tempo,
de gargalhar com sua voz,
com suas brincadeiras de criança,
com você que me escuta
em minhas lamúrias sem fim,
eu mesma me faço feridas
além de ferir profundamente você.
E assim, na soma desses XV séculos de vida,
de mais sete em silêncio e contando os nove fora,
dois feridos, cambaleiam, cada um para um lado
de seu campo de batalha,
cada um mais dolorido e triste,
e seguem, cada sempre em frente,
deixando pra trás toda beleza,
todo milagre, toda felicidade,
seguem voando asas ao mundo
um pra Suíça, outro pra Madri,
outro para Roma cantar para
as pêssegas ou viúvas de Samangar...
Seguem em frente, assim, assim,
sem ser luz, sem ser sal, sem vida e calor.
Agora estou só, largada no cais da vida,
sem barco da noite pra navegar,
sem passagem pro espelho da vida,
nem identidade, título de eleitor
ou passaporte para voar, asas flanantes
ao encontro de mim mesma e do meu amor.