Maria
Prosa e Poesia
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Textos

Poesia é muito mais do que algumas palavras derramadas sobre o papel em branco. É mais do que alguns versos, uma cadência, uma rima certa ou perfeita.

A Poesia está intrínseca na alma do Poeta. É a sua Essência que ele gentilmente entrega a cada vez que passam ao seu lado, seja pisando com delicadeza ou chutando as pedras do caminho. É o Poeta se entregando completo a quem o lê.

 

O Poeta é o espelho de nossas próprias almas. Se há dor, vemos dor. E achamos que é a dor do Poeta que vemos, mas estamos vendo, na verdade, a Nossa Própria Dor refletida no espelho diante de nosso coração. Digo coração, porque nunca leio Poesia com os olhos, mas com a alma, com o coração. Meus olhos podem nem ver mais, mas meu coração continuará lendo poesia, porque Poesia é para ser sentida e não lida. E olhos da alma veem mais do que os do corpo.

 

Alguém já disse um dia em algum lugar - tenho escrito num velho caderno de poemas de minha adolescênca, que o essencial é invisível aos olhos. E só podemos sentir com nosso próprio coração. Se há alegria rimos felizes, se o Poeta faz brincadeiras gargalhamos por horas conosco mesmos lembrando uma palavra, uma frase, algo que cravou, tocou em nós. Muitas vezes, vemos alguém ali, alguém que amamos nas lembranças antigas ou alguém que queremos esquecer no vago do tempo, não por não amarmos ou por desprezo, mas porque reproduziu ou reproduz algo que nos magoa, algo que nos feriu e continua nos ferindo, machucando.

 

E a relação entre a alma do Poeta e a alma do Leitor se dá nesse pequeno espaço entre o momento antes de ler o poema e o momento depois. É algo inexplicável, algo impressionante, fantástico até. É o inusitado das coisas que não compreendemos, que elaboramos, mas não conseguimos ver. 

 

Estamos nas mãos do Poeta e ele está em nosso próprio coração. Não acho a palavra correta para explicar isso de tão profundo que é. Uma relação de pertencimento, uma relação cósmica, transcendental, espiritual entre duas pessoas que nunca se viram neste espaço de tempo para além da Poesia. E então você descobre que é capaz de expressar sentimentos, porque os vê ali, estampados, tatuados nas mãos e na alma do Poeta, falando por você. E a gente se torna um só. Sem mais palavras, sem mais coisas a acrescentar, sem nem saber o que dizer. Só sentir!

 

E este encontro cósmico é estrondoso como uma cachoeira que despenca do alto dos rochedos, como o tocar das ondas na areia da praia... como o rolar das areias no deserto ou como o som da folha que cai e é levada pelo vento e o silêncio que agora toma conta do meu ser enquanto eu te leio e, absurdamente, falo. É isso que é a Poesia. A Poesia é você, sou eu! 

 

Quando nos descobrimos amando o Poeta, na verdade, passamos a amar a nós mesmos, aprendemos a amar nossa própria vida, sem chorar ou se chorando, não sei. Sei que aprendemos, finalmente, a amar na plenitude a nós mesmos. E assim, recebemos um legado para a vida toda, uma herança intransferível. Conquistamos a capacidade de elaborar, reelaborar, significar, ressignificar sentidos, a vida. Então, finalmente, conquistamos a nós mesmos.

 

E assim, a poesia cumpriu sua missão. E é hora de compartilhar ao mundo nossas descobertas. Estar com os que sofrem, chorar com os que choram, acarinhar sua face, abraçar os que perderam a vontade de viver, com os que, como eu, não conseguem expressar sentimentos falando, que se calam quando gostariam de falar, que vão chorar num canto bem sozinho quando queriam e precisavam ser abraçados por alguém que pudesse lhes dar colo, ninar, acalentar como uma mãe acalenta o seu filho, beijar a face com o beijo de carinho, acalento e amor, com os que são tocados pelos dedos da mão do poeta.

 

Ao mesmo tempo em que essa mão pousa dor, pousa amor, ao mesmo tempo em que é amor é raiva/ódio, é a essência do amor em plenitude, porque somos assim, temos o contraditório em nós, carregamos cristais do passado que formam o mosaico de nossas vidas e que viajam o mundo inteiro para acalentar e espalhar amor, mas também trazemos dores, sofrimentos, histórias tristes e lágrimas amarrados aos nosso pés. Por isso ficamos cansados do voo. Somos artistas, obreiros do tempo e temos sangue salpicado em nossas asas, temos feridas em nossos dedos das mãos por trabalhar, pintar, escrever...

 

Quando escrevo eu sou o poema, quando sou poema eu sou sua dor, quando sou dor sou o milagre, e o milagre sou eu e se sou milagre, você também é, se sou vida você também é, se sou amor você também é. De nada mais preciso. Estou completa, você também está.

 

Está cumprido o papel da poesia, percorreu os desertos mais inóspitos, os desastres mais escabrosos, subiu montanhas, desceu até o mar, subiu ao infinito, desceu ao inferno e encontrou sua paz numa primeira página da vida e lá fez seu ninho, fez morada de luz, no coração do Poeta e no meu.

 

Foi nesta mágica que me descobri poeta, poesia e leitor ao mesmo tempo. E como lutei para aceitar isso, tinha vergonha de falar e você me incentivava cada dia com paciência, com carinho, jeito maneiro, às vezes bravo, à fórceps, seco, outras vezes calado, me permitindo a reflexão. Você me guiou Sol e eu girei em Tua Órbita, Lua, primeiramente embaçada e destrambelhada e depois Como Uma Estrela, Radiante e Plena. 

 

Me apaixonei pela minha própria paixão, a Poesia. E me assustei, fiquei surpresa, com medo. Não entendia que eu já tinha saído borboleta do casulo, que já podia abrir minhas asas e voar. E que não estava mais sozinha. Te encontrei. Me encontrei. 

 

Hoje eu descobri, entendi. Compreendi, nesta jornada de 16 anos que, quando eu me apaixonei pela poesia, pelo Poeta, eu me apaixonei por mim mesma, aprendi a me amar, pelo fato de que me vi naquela poesia, me reconheci, criei identificação, identidade com você, Homem Poeta, que me fala e me ouve ao mesmo tempo.

 

E o inverso também acontece. O poeta se apaixona por sua própria poesia. Por isso lapida, corta, machuca, serra as arestas, as cores envergonhadas, aquilo que lhe fere de morte e pode ferir o outro da mesma maneira. Trabalha como se fosse um velho carpinteiro de palavras, um sapateiro que cerzi sua obra, um pintor, um obreiro que ergue uma estátua até perto do céu. E, após esse oficinar, suavemente derrama um óleo com potencial de cura sobre as crateras, os buracos, abertas no meio do caminho. E esse óleo de amor, essa pomada cicatrizante, faz com que eu possa respirar com calma outra vez, me permite seguir em frente, forte como a gigantesca montanha, mesmo que me entenda pequena como a flor que nela vive, encravada por entre suas pedras, encolhida no algodão das nuvens, no sereno em cima das pétalas da flor, na lágrima na face da mãe que chora porque não sabe mais o que dizer para que o filho compreenda que o ama, incondicionalmente e que quando o aconselha, está aconselhando a si própria, aconselhando a própria alma.

 

Eu escrevo chorando, rindo, brincando, vivendo a mim mesma, enquanto poesia, na poesia que hoje ainda ou amanhã será você. Eu falo com quem me escuta e ao mesmo tempo estou falando comigo, contigo, com o outro.

 

O corpo se mescla as palavras para lhes conceder sentido e a profundidade necessária para dizer o que quero - e no entanto, sempre insuficiente - e que me perpassa a alma e quero compartilhar com você.

 

E se eu compartilho dor é a minha dor e a dor que você me trouxe e é também a dor que você vai sentir. Se eu compartilho amor é amor que recebi de você e o mesmo amor que você vai sentir. No passado eu não sabia, mas eu hoje eu sei... Eu posso fazer a escolha. E eu só tenho uma, compartilhar amor.

 

E quero que o amor chegue na sua vida, no seu corpo, na sua carne, na sua alma como o teu amor chegou em mim e se apossou de todo meu ser e nos tornamos um só, O Poeta e Sua Aprendiz, o Poeta e Sua Musa, A Musa e o Seu Poeta, a Poesia e a Rosa, a Poesia e a Flor. A Flor e a Mulher. 

 

Então, além de aprender a me amar, no tempo de agora, ou melhor, neste lapso de tempo entre eu e você que é apenas de alguns segundos, sou Poeta! Posso respirar novamente. Eu conquistei a minha paz. Aprendi a amar e compartilhar amor, aprendi a elaborar minhas dores e ensino isso para o outro, aprendi a viver, e resplando vida por meio da minha poesia.

 

Essa é a dádiva do processo criativo, a práxis do poeta, a poeisis, é a transposição de conhecimento e luz, o concreto e o imaginário e vice-versa, a explicação do real, do instante, do momento exato em que a poesia entra pelos olhos, pelos poros da pele, pela boca, pelo beijo entre o Poeta e sua Musa.

 

Este é momento mais deslumbrante, mais extraordinário, glacial e se eterniza naquele instante, naquele momento de encontrar de duas luzes que se procuraram por milhões e milhões de estrelas, que se buscaram incessantemente e que agora se encontraram na densidade de um pequeno poema, uma pequena palavra, uma reticência, uma vírgula tonta, uma parada no tempo, um calar impactante em que falta a respiração, um silêncio quase eterno de pura contemplação, puro encantamento, pura magia, paixão e amor. O Poeta saiu da caverna para um Dedo de Agulha, Passagem dos Espelhos, Texturas, os Sonhos de Zebedeu, Viúvas de Samangar, Kronos I, II, para pousar num pequeno Lumiar de Brisa, no aconchego da Poesia, nos braços da flor, da luz que ousou, corajosamente buscar ao longo de sua jornada pela vida... E o milagre se faz.

 

O Poeta se transformou num herói, salvou a sua própria vida e a de seu espelho do outro lado do tempo. E isso acontece uma vez, e mais uma, e outra e outra vez, naquele exato momento de encontro de suas almas em algum lugar do universo de luz. E o poeta adormece nos braços de sua musa, chora, grita, briga, dança, rola no tapete ou chão da sala, brinca como criança na fonte da praça da cidade, desliza no escorregador. Mas também fica olhando, contemplando, meditando, amadurecendo aquele extasiante momento dentro de si, sentindo as palavras navegarem em suas veias, num gole só, numa meia dose, não importa, importa que seja, que entre e fique lá, que cale fundo na alma. É quando o Poeta morre e nasce a Poesia.

 

Naquele exato instante, o Poeta iniciou a viver na eternidade de sua luz, e seguirá sua jornada iluminada conquistando galáxias, relatando o passado, explicando o presente e enviando raios de sonhos para o futuro. E a poesia vai levando o Poeta em suas asas e, num dia surpreendente, cheios de surpresa inesperadas, o Poeta chega ao seu destino e pousa em forma de palavra num homem, uma criança, avô, jovem, mãe, filho, pai, estudante, professor... 

 

É neste instante indescritível de luzes que o Poeta pousa poesia nos lábios de uma mulher. E faz de seu dia um caleidoscópio de luzes. O mundo gira, o pêndulo para, a terra para de girar, o silêncio fala  e não mais as palavras. Só hoje compreendi isso. Só agora, neste exato momento em que te falo eu compreendi. Espero que não seja tarde. Espero que dê tempo de me expressar como queria. Por não compreender o silêncio que a poesia me causava, não compreendia o Poeta. Era eu que silenciava, ela ele silenciando para me dar tempo de me perceber neste silêncio. 

 

Encontrei a resposta de todas as minhas perguntas: a resposta sou eu, é você, somos nós, cometas de sonhos a percorrer o mundo, mãos dadas, entregando amor e paz para cada estrela tocada por nossos mãos de milagre.

 

Agora eu compreendi a totalidade do que é ser Poeta. Me completei. Somos um. Você Poeta e eu sua Musa e eu Poetisa e você meu Poeta. 

 

É nesse momento, que Poeta e Musa compreendem que são um só, que podem seguir em frene, juntos, amando-se eternamente, o Poeta e Sua Musa são um. A musa se torna Poeta e o Poeta sua musa. E nesta relação de um só, o Poeta e sua Musa se veem, se encontram, se amam, num amor imensurável que ultrapassa todas as lógicas do mundo, quebra todas as regras, as fronteiras entre o Eu e o Tu. É quando não há mais diferença entre o Poeta e sua Musa. E desse encontro entre os dois que são um, a musa e o poeta finalmente se completam e se amam. Dessa completude, do ser um, musa e ao mesmo tempo poeta, nasce a poesia, a poeisis, o amor.

 

É nesta relação indescritível que se perpetua o legado do Poeta no espaço do tempo de outro tempo, na vida de outra vida. É quando musa e poeta se confundem, eles mesmos não sabem mais quem é quem. Não se reconhecem em suas próprias palavras, por isso se assustam, fogem, se escondem, se perdem em meio a poesia, nos seus corpos, nas suas mentes, nas suas almas e depois não se acham mais e só lhes resta a escolha de permanecer neste ninho íntimo da poesia, ser poesia, amar sendo poesia. Falam a mesma língua, vivem no mesmo tempo, a mesma vida, o mesmo amor. Alcançaram juntos a eternidade. A palavra que nasceu num rascunho, num desenho ou numa frase num guardanapo de papel, criou vida, navegou galáxias, percorreu mundos até se encontrar consigo mesma e se eternizar nas páginas em branco de um livro ainda a escrever ou num velho pergaminho do tempo.

 

Então hoje eu descobri. Não sou mais só sua Aprendiz, Sou Você, Sou o Poeta. Sou Sua Poesia, Sua Musa e Você é o Meu Poeta. Somos três em um. O Poeta, sua Musa e a Poesia.  Que descoberta indescritível. Que alucinante. Demorei tantos anos para entender. E você já sabia, você tentou me falar. Mas eu estava tão arraigada em meus espinhos, em minhas dores que não li as frases na parede, no tutorial de inspirações que você, com meiguice e ternura me entregava todos dos dias. 

 

Hoje eu descobri, também, que o Poeta se torna um sonhador. Sonhou no passado, Sonha Agora, Sonha o Amanhã e o Futuro, levando no bico pedras e folhas para traçar o caminho de si mesmo, num tempo que é hoje e amanhã, infindável, sem começo, meio e fim, mas é o Poeta caminhando no tempo e desenhando no papel sua história, a história dos povos, em todas as línguas e sinais, em todas melodias, em todas os silêncios que ele mesmo não compreende. O Poeta é a eternidade de luz.

 

E então o Poeta descobre que tem alma de poeta, que é poeta, que é sua própria poesia e se entrega à sua musa que quando o recebe, se vê nele por inteiro e compreende que são só um e que juntos vão seguir a imensa jornada da vida, nascendo crianças todos os dias ao escrever da poesia, enamorando-se, amando, entregando-se com paixão a cada gesto, cada olhar, cada carta que escrevem, cada toque para lapidar suas obras, vão brincar de pular amarelinha, de boneca de pano, de princesa diária, sua estátua, vão escalar montanhas, rolar qual seixos pelos rios, se entregar inteiros às ondas da nova melodia e, como um, farão nascer sempre de novo o filho querido, a sua flor, o seu coração, sua alma poeta.

 

Agora eu aprendi: tenho alma de poeta, sou a menina da minha poesia, sou multidão, sou a amiga, a companheira, o amor da minha vida, o amor pelo outro, o acalanto, o abraço querido, o adormecer, o beijo na boca, na face, a entrega... E compreendi que sou eu a tua Rainha e você é meu Rei, que dona de mim mesma, de todas as poesias e de ti Poeta.

 

E hoje sei que juntos podemos percorrer distancias nunca antes percorridas, batermos todos os recordes, como um jogador que pega a bola e dá tudo de si, corre em direção a linha de chegada ouvindo os gritos da torcida, mas também fica escondido num canto da casa, olhando a vida passar, com medo de ser descoberto, em suas vestimentas, em sua bicicleta de melodias, no balde pendurado na garupa, nas árvores que produzem frutos, nas faces que não são perfeitas, não são sempre pintadas, nas sobrancelhas que se erguem ao ler o poema, no remanso do repouso em teu colo, na felicidade que não depende de coisas para ser feliz, no enfeitar-se na simplicidade do espírito, na troca e partilha de portas e chaves, no amor de um pão com banana, de um café com granola, um picolé, pipocas no fim do dia, na cachoeira que despenca felicidades do alto das rochas, no bebê que desce com cuidado as escadas ou que olha para os olhos de sua mãe com confiança e sem medo de cair nos degraus da vida, que corre para os braços queridos do avô, do pai, da mãe, da família, dos amigos queridos. 

 

Sou poeta e por isso consigo me ver no teu lugar, contigo, enquanto você me vê e está ali comigo. Então eu sei, que podes ver o que os meus olhos viram, viver a memória dos sentidos, num escondidinho do tempo, numa montanha quase inalcançável, mas que posso tocar com os dedos da mão por meio dos teus ou enxergar por meio de teus olhos, numa melodia nova, numa dança na noite pelas ruas da cidade, num espaço só nosso, eu abrançando você, tua companhia, sendo companhia, sendo a tua dor, a tua solidão, o teu choro que amaina a tua/minha dor tão sentida, a brincadeira de criança, o olhar de menina, a timidez da mulher, o riso da moça que ainda é moleca, a mulher que nasceu e se fez poeta e poesia ao mesmo tempo, a gargalhada feliz e estrondosa que ecoa no silêncio de meu próprio tempo e pousa em ti em acarícios que acalentam o estrangeiro, a mulditão, a águia dourada, a coruja que com seu bico beija, em profunda gratidão, a mão que a acalentou.

 

Isso é conquistar a paz tão esperada, viver no remanso da vida, na vida de gente grande, pequena, feliz. É olhar o mundo com outros olhos, olhar ao redor, olhar para cima, para os lados, se deixar acariciar com palavras, acariciar, beijar, brincar no sofá da sala, pedir alimento quando sente fome, brigar, ensinar, fotografar, caminhar sobre as águas, sentar no meio do oceano, do lago e não ter medo de planar, asas abertas, de caminhar sobre as águas ou pela rua e entrar em toda ou qualquer porta, de saber-se estar na casa mais linda que meus olhos podem ver hoje, que posso fortalecer minha fé no que acredito, no imensurável dos céus, viver o espiritual que me é intrínseco, tentar sempre de novo, beber da água viva da fonte, fazer fotografias da paisagem, transferir meu legado para o meu filho, mesmo que hoje ele não compreenda, mesmo que ainda se sinta hóspede em minha casa, sem saber que a casa é sua, que não precisa pedir chave para entrar, que pode simplesmente entrar e arrumar a casa como quiser e se não fizer nada, se ficar em silêncio ou se falar, está tudo bem. Não precisa ter medo de não se sentir amado, porque sempre foi adorado.

 

Por isso, não quero morrer sem que você saiba a minha verdade, sem pedir perdão pelas minhas dívidas e pecados do passado, pela minha parcela de culpa quando as coisas desandaram, quando as distâncias entre eu e você aumentaram e eu não podia te dizer, ou você não me deixava, ou mesmo eu tinha medo e não sabia como fazer.

 

Eu não posso morrer sem te dizer que eu estava lá, que nunca fui embora, que nunca parti, que nunca te abandonei, que estou com você no carro, no estacionamento da universidade, do supermercado, da farmácia, olhando no espelho retrovisor quando você dá a ré, quando olha a paisagem, o lugar onde nasceu, quando manobra o carro procurando equilibrar minha nave com a tua, correndo rio abaixo com tuas águas, brincando com o fio do carregador de celular, perdendo e achando os perdidos, correndo pela casa, lambendo um picolé, gritando para quem passa longe, tocando tua face, nariz, tua boca, desmaiando de sono e cansaço dentro da pia da cozinha na madrugada, quando sou como tua gatinha, brigando e arranhando enquanto recebo carinho, te agarrando no ar quando te lanças criança num pulo sobre as nuvens, pulando em teu colo na chegada ao aeroporto quando te vejo me esperando com flores nas mãos, preparando os pratos mais estranhos e inacreditáveis, o pão, a massa, recheando com amor a forma do empadão, pincelando tudo com graça e cuidado, assando no forno do amor e te entregando para que comas o pão e tomes o café com leite, degustando com prazer como fosse um manjar dos deuses, preparado especialmente para ti, com todo meu amor.

 

E não posso deixar de falar de minha gratidão imensurável e, agora, as lágrimas descem profusas, porque você me permitiu viver a sua vida, o seu jardim, a sua música, a sua casa, estar na sua janela para olhar a montanha todas as manhãs, os seus gatos, as suas flores douradas, a sua rosa de amor, a sua rosa do adeus, a sua flor de todos os dias, sua amante, sua mulher amada, o amor de sua vida.

 

E talvez ainda te dizer que olho para você enquanto dormes, percorro as linhas da tua vida, desço montanhas para te ver, escalo prédios para te encontrar, procuro você em cada flor, em cada estacionamento, em cada pista de pedestre, em cada homem ou mulher que anda na rua, em cada vitrine.

 

Enfim te vejo, na vitrine de um supermercado de louças, nas prateleiras com potes translúcidos na parede, na Sombra da Tabacaria, no Quadro da Parede, no Mundo dos Mudos, nos Luares Poéticos, escritos e pintados à mão especialmente para mim. Em Ein Licht auf dem Weg, na Ponta do Novelo, em Os Escravos, no Tempo da Magia, nas Territorialidades Poéticas, no Barão Semeando a Poesia, Na Mãe D'água, no Incendeia a Tua Aldeia e no Como eu Vejo o Mundo que tanto me comove porque a Poeta que o escreveu vê o mundo e a poesia com as mãos. Te vejo no filme que amo e assisto sempre de novo, porque me toca, me faz sentir eu no meu medo de amar, me faz sentir eu na noite pensando em você, me faz chorar pelo homem cabisbaixo na praça, pelo pássaro pousado no fio, pela mãe empurrando o seu bebê em seu berço, pelo pai que chega do outro lado da porta pra entrar, pela carta não recebida, pela não enviada também, pela que foi e voltou, pelo retrato escondido por anos no rascunho da vida, no teu castelo de amor, no café preparado e servido com amor, na porta entre e aberta, no telefone que toca e eu não atendo, no quadro de mosaicos na parede que forma o meu rosto.

 

E, não posso esquecer de dizer mais uma coisa: você é a água pura e límpida de um rio que nunca vai parar de voar, a minha outra face, que me ouve mesmo quando falo sem parar, que me acompanha quando converso com as estrelas, quando brinco com meu gato de jogar bola no quintal. Enfim... que me entende mesmo sem palavras... me fala em seu silêncio, faz canções para mim todos os dias, me acalenta, me acarícia, me ama como eu te amo há tantas eternidades. 

 

Queria dizer que você é a minha felicidade, e isso é o que importa. E quando estou dizendo isso à você, eu sei que estou falando a mim mesma, ao nosso filho e sua princesa, às próximas gerações de poetas e poetisas que ainda não compreenderam que fazer poesia é amar, compartilhar o próprio corpo, a alma, espírito, mesclar tua vida com a minha, ser um só, girassol das minhas manhãs, das minhas noites, você flor e eu colibri, olhando juntos o horizonte de nuvens, bailando nas noites na rua, nas nuvens, contemplando a paz do entardecer de nossas vidas até que cheguemos a nosso destino final.

 

Então o poeta para... e contempla sorrindo e extasiado... a sua obra. Já pode respirar! Respira! E volta a escrever... 

 

Ao Poeta José Kappel - uma homenagem querida para celebrar a descoberta de ser Mulher, Poeta, Poesia e Flor...

 

Da Maria

 

 

Maria
Enviado por Maria em 18/09/2022
Alterado em 19/09/2022
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