Há duas ou três (sei que há muito mais) formas de entender ou compreender uma melodia, um poema ou até um texto científico. Quando nos identificamos, e falo de mim e não de outra pessoa ou multidão, reagimos também de várias formas. Choramos, sorrimos, rimos, brincamos, ficamos confusos, bravos, amamos, adoramos... E isto também acontece comigo. Mas uma coisa posso dizer: nunca, em situação alguma, eu debochei ou menosprezei um autor e a sua escrita. Pelo contrário. O histórico de meus rastros (ou pegadas - chamem como quiserem) por este espaço, comprova a seriedade e a atenção que emprego em cada texto lido.
Hoje li um conto que fez com que eu risse, gargalhasse até. Porque me vi totalmente dentro dele. Era eu com a mão dentro da caixa sem nem ter cogitado o que havia em seu interior. Simplesmente me entreguei a tarefa de colocar a mão. Não questionei, não perguntei, não olhei para trás, nem para a frente.
Vi o momento, uma janela aberta e pulei por ela. Corri atrás de um gato branco de olhos amarelos castanhoesverdeados. Encontrei montanhas e o caos. Dele me aproximei. Vi um homem preso em suas latas, em seus ferros, rodeado de tonéis de lixo e cercado de uma multidão que caminhava sem ao menos olhar para onde ia. Ninguém o via. O Ninguém era eu. Cheguei e o vi, mergulhado em seu desespero, enfrentando uma tempestade. Não sabia o que lhe dizer. Eu era apenas uma folha seca caída ao chão e tinha um jardim azul do que os meus olhos viam. Disse apenas, impactada: é verdade! E segui meu caminho por seu corpo até chegar ao céu tempestuoso, as montanhas, as flores. Fui para casa, pensativa. No outro dia vi sua profunda dor, sua luta em meio as nuvens e tormentas: e lhe disse o que vivia sobre a tempestade: às vezes, ela acontece dentro da gente. E desejei: quero que se desenrole da dor... e.... mesmo aos 70 anos de sonho é possível ser feliz.
Eu nunca havia entendido por que, mas eu sabia: naquele instante, nossas almas se ligaram e não se desgrudaram mais. Hoje, passadas tantas eternidades, eu ainda não entendo tudo. Eu, às vezes, não compreendo algumas coisas, mas eu me compreendo, eu me entendo, e se, eu me entendo, me compreendo, também o entendo, o compreendo no que é essencial, primordial e mais importante, porque estamos ligados a centenas e centenas de anos. Nossas almas já viajaram universos, países, territórios se procurando...
As reticências... elas falam: sem palavras! É quando não as encontro para expressar, porque são tão profundas, tão fortes, tão impactantes que ainda não foram inventadas. Inexistem. Às vezes eu até as invento, mas nem sempre consigo atingir a dimensão esperada, a totalidade, a profundidade, a altura, a imensidão do meu sentir... As exclamações estão ali porque quero frisar o que estou dizendo. Peço olhar duas vezes - pode haver outro significado sobre uma mesma palavra - ou atrás.
Sei que tenho meu próprio sistema de palavras, de incógnitas, de segredos, de códigos, que abuso das metáforas, mas quem precisa entender... entende... porque além de me ouvir, me sente. E me sentindo sabe quando o sangue aquece e corre mais rápido nas veias, quando a pele arrepia, quando o coração acelera, quando e porque os lábios tremem, a voz embarga e olhos derramam laivos de interioridades...
Não sou perfeita. Sou muito simples até. Como um caroço de butiá que caiu da árvore e jaz, qual folha seca ao chão. Não se vê muita coisa de fora. É uma bolinha cinza, em que a parte doce já foi carcomida pelas formigas do chão - que pode ser jogada fora se dela não se importar. É preciso quebrar, abrir a caixa e colocar a mão dentro dela para ver a noz que vive ali escondida.
Foi o que fiz um dia. Coloquei a mão dentro da lata fechada onde vivia aquele homem. Não reguei seu caos, não desejei aumentar sua dor. Só quis que soubesse que o entendia, que o compreendia e que eu vivia, não numa lata, mas presa ao chão, sendo levada pelo vento para todas as direções... e que... preparava-me... para a viagem, a última viagem nas asas da tormenta, quando ele... me encontrou... e me salvou...