À Capivara Peluda
Preciso me escutar. Porque ninguém me ouve. Eu chamo e ninguém responde: espere! Estou esperando. Mas, nem o ar se move nesta choupana.
Eu já fui tantas vezes, já tentei chegar perto dessa muralha milhões e milhões de anos. Corri atrás, persegui até, e? Nada. Fico sempre assim: com o nada nas mãos, sentada na cadeira, pasma. E o tempo ainda não passa. Preciso engolir o silêncio como se estivesse tomando chá numa xícara de deusa.
E essa capivara peluda fica me olhando, olhando, olhando e não diz nada. Nem se mexe. O mundo é insano, está virado de cabeça para baixo. Tudo ao contrário. Como é que pode uma mulher fazer de tudo pra amar um homem e ele dela nem deixa?
Todo mundo abraça ela, diz como é cheirosa, como é fofa, que dá vontade de amassar, beijar... e só. Ninguém leva pra casa, ninguém pega no colo, ninguém acalenta, ninguém fica ali, só abraçando, acarinhando, beijando os cabelos e dizendo cada minuto: eu te amo Maria. Ninguém faz, ninguém levanta da cadeira e ninguém diz: "nada!" Ninguém diz: "isto não significa nada pra mim!" Eu digo! Nada é Tudo! Mas que fazer se ninguém escuta?
Vou fazer minhas malas e partir de vez. Vou lá pra Espanha. Lá não tem capivara peluda, mas tem festa, tem poeta que até faz tatuagem no corpo da gente. Tem gente que desenha com barro as nossas costas, toca flauta e bumbo nos nossos ouvidos. Ah, eu me vou! Já que me gritaram: anda, saí daqui, eu vou!. Não quero mais saber de quem não me olha, não me escuta, não me ouve chamar. Não faz mal. Se ninguém me escuta eu falo comigo mesma. Pelo menos eu sei me escutar. Me falo, me escuto, falo de novo, me escuto de novo. É um diálogo monofásico, de espantar.
E a capivara peluda me olhando. Quem ela pensa que é pra ficar olhando por trás da gente? Um dia, ah, um dia, se as coisas mudarem, se o sol se tocar e, finalmente, capitular e enviar um raiozinho só pra brilhar o meu dia, ah, eu vou encher essa capivara peluda de farpas, ah, vou... Vai ver só ficar aí, parada, me olhando como se fosse ela a dona da mesa. E nem me vê por que tirou os óculos, a danada. Nem me vê. Para de me olhar capivara, faça alguma coisa! Salva a situação, senão... eu não vou mais.
Já fui, voltei, Já fui, mandaram dizer que não estava certo eu ir. Já convidei, não pode também. Tem lei que proíbe. Fui de novo, voltei porque tinha de esperar. E agora nem fui, só pedi se podia e o que aconteceu? Só amanhã, só amanhã. Hoje não posso.
Acho que ela vidrou em mim: a capivara. Me mira, me olha, não tira os olhos de mim. Será que ela sabe que o amanhã não existe? Fica pra amanhã, amanhã a gente se fala, ela me disse. Que amanhã? Não tem amanhã. Nem o ontem tem. O amanhã é hoje capivara. Ainda não aprendeu? Ah, mas deixa eu te encontrar, te pegar, vou arrancar cada pelo com os dentes, ah vou. Vou pegar aquela alicate de podar árvores e a primeira coisa que vou cortar são os pelos da tua cara. Vais ver só. Amanhã eu faço isso.
Hoje vou fazer minhas malas e partir pra casa da Lemuh. Lá tem tay pra gente beber. Se não quer tay, tem amendoim torrado e salgado. Tem pipoca. Aqui, nem água dão pra um passarinho tomar. A gente mesmo tem de buscar. É um desastre. Uma choupana tão bonita e não tem um fiozinho de água para um passarinho que bate asas todos os dias no jardim em flor.
E a capivara me olhando, me olhando, me olhando. Eu acho que ela tossiu. Tenho certeza. Está viva! Ufa! Um sinalzinho de fumaça dizendo que não está paralisada me olhando. Ela me olha e nem vê as formigas passando na frente dela. Vão devorar tudo que encontrarem pela frente. Facilita, devoram até a capivara. Então, enquanto ela fica lá, suspirando, suspirando e olhando... vou... me vou... TRABALHAR.
Chega de ficar indo e voltando, indo e voltando... só para ouvir te mandarem andar. Saí pra lá! Foi o que escutei. Nem dói mais! Já acostumei.
Entra dia, sai dia, entra ano, sai ano e eu continuo na beira da estrada que a maior parte eu, sozinha, andei, parada em sua beira, mala de um lado, casa do outro, e um sonho... já murchando, murcho... mas, que eu não quero soltar, amarrado, enlaçado, em minhas mãos...
Maria
Enviado por Maria em 31/10/2022
Alterado em 18/06/2023