No teatro da vida, todos os dias
uma cortina se fecha enquanto outra se abre.
Uma se abre e outra se fecha em si.
É que a órbita da arte ainda não se ajustou
e as demandas do coração
ainda não são prioridade.
Nas trilhas que faço há sempre uma descoberta.
De um portão fechado, um beco sem saída,
dormentes de trem que não posso mais ver
e nem mesmo o porto que me foi de quintal sabia existir.
Agora viajo por entre máquinas
porque cada dia vou trocando
uma peça do corpo por uma artificial
na busca de não ter mais sentimento algum.
Encontrei a história e a vida num homem
que não teve medo de sua imagem comigo eternizar.
Também não teve medo, que eu invadi sua palhoça
sem pedir licença ou ter solicitado, por ofício, antes de lá adentrar.
Eu o vi atrás da mesa, concentrado, trabalhando.
Perguntou-me o que queria.
Disse que queria saber, aquele espaço conhecer.
Ele não me respondeu que não podia ficar lá,
mas me disse: claro, entra, pode olhar.
É uma marcenaria, lugar de construir sonhos, essa é a verdade.
Entrei, ouvi e segui, o chamado de pássaros cantantes.
Estava escuro, não tive medo, fui procurando
e ao adentrar mais profundo
encontrei os bem-te-vis me comunicando
que por uma tela me viam.
Logo se ouriçaram com minha presença.
Comigo brigaram. Gritaram.
Por fim, fugiram, se esconderam.
Eu? Que fiz? Saí dali voando,
porque me gritaram duas vezes
que nisso já tinham falado:
aqui neste espaço não podes ficar,
queremos ficar sozinhos, pra desenhar melodias
e para outras bem-te-vis cantar.
Sai fora Jacaré, não mereces nem um canto
nem uma melodia das que compomos
És de outro povo, em nossa tribo
rouxinóis não são parentes.
Entendi a mensagem na parede.
Voei. Na porta ainda olhei e gritei:
aDeus! pássaro cantante.
E me fui. Nem titubeei.
Peguei minha nave e para outro planeta rumei.
Lá, sim, recebi um abraço apertado
- daqueles de junto chorar
- arrumaram a mesa pra mim,
me serviram de pão e café,
até um torresmo me deram...
Sentados na mesa,
um cá, outro lá,
choramos juntos,
só pra tristeza afastar.
Assim, pude respirar...
resolvi voltar...
abri asas, voei...
em meu ninho cheguei.
Daqui não saio mais.
Só vou da cadeira levantar,
se o Sol por esta porta entrar
como eu, já tantas vezes, na dele adentrei,
e me dizer: Maria, vem cá!
Tenho um abraço daqueles
de não soltar pra te dar,
um pedaço de pão com manteiga
três fatias de queijo muçarela,
um café com leite e espuma
de coraçãozinho na janela
e, até um torresmo,
feito de pura pele,
pra você comigo degustar...
Não faz mal que faça barulho
e os vizinhos possa atrapalhar
vamos mutuamente nos alimentar
para que nunca faltem forças
para na varanda tay tomar
ou na rede dançar.
É sonho, eu sei.
Por isso, estou aqui,
desperdiçando palavras,
derramando letras no chão,
enquanto o sol dorme,
em total inércia,
dentro do meu coração...