Quando o amor é verdadeiro
e sua força se encontra na beleza da alma,
na liberdade de amar sem impor cobranças,
sem pagar honorários, não há bala
que desfaça esse tricô da vida
trabalhado pelos artesãos do tempo e do amor.
Quando nos descobrimos amando de verdade,
intensa e profundamente,
é quando nos despimos da máscara da morte.
É quando não nos importam mais
as flores crochadas de vazios
que nos ouvem por ouvir,
pálidas em seus ramos secos
e sem pura seiva.
Consolar também não é o meu forte
e se puxei o tapete do destino para meu lado
é porque meu instinto me trouxe até você
e sem eu mesma entender ou saber,
queria lhe falar da mágica da vida,
igual a croata de guerra.
É o fogo do destino que nos colocou duas vezes
num mesmo jardim, num mesmo espaço da vida,
eu colibri assustado fugindo de um gato no telhado
e aprendiz - sem jeito, atrapalhada, tímida e encabulada -
por 70 anos de sonhos, sem saber que com ele
- meu sonho - me encontrava todos os dias.
Que ele me olhava nos olhos, me abraçava,
me tocava e pegava em minhas mãos
e até um "te amo" me disse em meio
ao abraço comovido e sensível ao meu choro.
Que esteve comigo por tantas horas do tempo do tempo
em meus momentos mais difíceis, em minhas maiores alegrias,
em minhas lutas me defendeu quando eu não tinha mais forças,
lutou por mim para que eu me tornasse igual a uma flor sem morte,
que nunca desistisse de viver para poder eternamente amar.
É a primeira vez na vida que Lamento sem chorar
Lamento:
A impossibilidade de ser pássaro,
pousar em teu ombro,
me dilacera
a tristeza de não ser mar,
envolver teu corpo tostado
me penumbra a alma,
a dor de não poder ser vento,
e brincar com os teus cabelos,
me atormenta,
a necessidade de ser agua,
que te mata a sede,
me alucina,
a certeza se jamais ser teu sol,
teu remorso e tua grande alegria,
me estraga a vida,
e a ternura frustada,
e o beijo não dado,
serão levados pela agua pura,
pelo vento triste, pelo sol no mar,
pelo pássaro pousado no fio...
(Neruda)