Eu vi a mesa de grossa madeira, velha e riscada, cantos e bordas quebradas pelo uso. Sobre as prateleiras translúcidas, repousavam peças já feitas, com pequenos desenhos, parecendo tatuagens. Igualavam-se à estátuas com faces, embora não nítidas.
Tuas mãos carregavam cicatrizes profundas, cortes provocados pelos cinzéis. Mãos feridas, machucadas, riscadas do trabalho na pedra dura.
A cada cinzelada, soltava-se parte da pedra em forma de areia - rosa ou branca. A areia se acumulava onde caia, deixando tudo coberto de pó, até o homem que manuseava o cinzel.
Eu lhe espiava, mas você não sabia. Não me via lhe olhando.
Então eu caminhava pelo lugar, pisava o pó, deixava pegadas, mas você não as via. Não percebia as pegadas e nem percebia minha presença. Era como não estivesse lá, como não existisse ou fosse um fantasma, um anjo invisível.
Com minhas mãos tocava tudo. Deixava marcas dos dedos, mas você também não as via e continuava seu trabalho cobrindo, com o pó, também as marcas deixadas por mim.
Às vezes, você se ausentava, então eu mesma tomava do cinzel e fazia teu trabalho. No entanto, quando voltavas, não percebias que o trabalho tinha avançado e que minha mão também estava nele.
Então eu olhava e olhava, fixava o olhos em ti, mas era como se não estivesse ali. Eu falava, sussurrava, mas você não escutava, não me percebia.
Certo dia, mudou seu trabalho. Iniciou a transformar a pedra numa pessoa. Cinzelava a pedra, cortando, cortando até que se formou a figura de uma mulher, cabelos negros, magra, rosto fino, meio comprido. Nos moldes da "Virgem Velada" de Giovanni Strazza.
Ao terminá-la, a colocaste no centro da mesa e nela fixou seus olhos. Olhavas, olhavas, olhavas. Como a via, mas não me vias - mesmo deixando pegadas ou riscando o pó das coisas com as mãos - aproximei-me, sem lhe encostar e soprei meu hálito de amor em você. Fui soprando, soprando, soprando, delicadamente.
Então... você sentiu!
Eu chorei!
Você olhou ao redor e não me viu, mas me sentiu.
Voltou a olhar para a mulher, talvez imaginando que eu fosse ela. Parecia assustado, surpreso!
Eu soprei novamente, em todo seu corpo. Soprava e você sentia! E sua pele ia mudando de cor. Ias ficando da cor da pedra e daquela mulher. E logo, você e ela pareciam ser a mesma pessoa.
Eu olhava e chorava...