São recordações de calças curtas
e pés de barro que nos correm no tempo
quando a alma divaga entre o passado e o futuro,
trazendo o primeiro para o agora viver.
Quando o tempo passa, vai afunilando a boca do poço
e a fundura cresce, pois cada dia
é um a menos pra subir e um a mais para descer
ao fundo de meus abismos.
Cravo os pés nos buracos da borda e me recuso a ambas ações,
pois o que me digna viver é o tempo de agora.
Isso não me impede de carregar
na bagagem as lembranças de ontem
e os sonhos para agora, ou para o depois,
no hoje ou no dia de amanhãs.
Também recordo o tempo das discotecas
ou dos noturnos de sábado
e das matinês de domingo no cinema
em que nunca fui.
Ainda lembro o estampado das janelas
do quarto carregado de frestas,
enquanto ouvia os alto-falantes do cinema
ao pé do morro de menina sonhadora e sozinha.
A música, ouvia porque não havia centavos à pagar
para ao cinema adentrar.
As frestas na parede, pela falta da mata-junta,
era por onde o vento entrava e dançava a cortina de chitão
com rosas gigantes e vermelhas num fundo azul ciano.
A vida era simples - sem pipocas, maria-mole, picolés,
embarés e chiclete de morango -
e a menina de tranças ruivas, sardenta
e sorriso dentuço, tímido e medroso,
se encafufava na cama,
olhando as roupas,
penduradas por pregos na parede,
e a cortina que balançava livre
e trazia seu sonho de vestido rosa,
cadeira de cedro e coroa de flores
para dentro do seu pequeno mundo
e para fora do clausuro
da imensa vastidão de sua alma.