O tempo não se engana,
não tem olhos para fazer de conta que não viu.
Também não deixa nada passar ou ficar assim.
É ele quem passa e vai, lépido e rasteiro de dias,
levando nos braços a cesta das horas e amoras que comeu.
Também vivo com suspeitas de saudade, mas não sou eu
quem fica sempre fugindo lânguida e suave como o vinho
de um homem sem eiras e beiras que recruta o acolá
e fica sozinho numa estrada que se finda
onde começa outra e termina sem fim.
Não sei o que a criança levou,
a fada crismou e o pai chorou,
enquanto a mãe partiu sem demoras.
Eu sonho! E penso que faço parte de alguma coisa!
Pelo menos sempre penso!
Mas quem sabe se faço ou não faço é o rei de meus avessos,
o homem que me enternece de saudades
enquanto se esconde do mundo e de mim
em seu castelo de três portas e duas janelas só para um lado.
É a realidade que entra, enquanto eu saio
ouvindo trovões que ribombam:
aos sábados eu gosto ficar sozinho!
Nas segundas não posso, e terças também não -
ocupo o espaço vestido com minha camisa azul de listrinhas
conversando na noite com florezinhas jovens e belas.
Nas quartas sou professor, de manhã, de tarde e de noite - 24 horas eu ensino.
Nas quintas vou tomar sopa com a mãe
e nas sextas tenho medo de estrelas muito candentes.
No resto da semana estou livre, mas preciso de um tempo pra mim!
Claro, depois eu - santo - medito, reflito
e culpo a paisagem que tudo levou,
a flor, a estrela, a lua, a mulher e a musa
que está sempre me fugindo e me deixando sem tudo.
E aí me pergunto, puro e cândido:
mas como me deixaram sem tudo?
Não sei, não sei.
Sei que pra tudo ter,
de tudo tentei!
E agora olho os meus avessos e ela,
culpada de meu desamor, me diz:
sou tempo sem tempo!
Diálogo que fere, pobre sem nascença
e vivo procurando o Achar dentro dos esquecidos
enquanto ele brota mares
e nós vamos colecionando dores e águas vivas...
Tudo ao mesmo tempo de todo nosso tempo...
A culpa é dele que fica me pedindo:
faz de nós seu espírito, unta meu amor com o teu!
Mas tempo não tenho, retumba elegante enquanto desço
trôpega e escotilhada de saudades
as escadas que fazem a ponte ou separam
o topo da terra do subsolo do céu...