Querido Joseph
O dia se finda e tanta coisa pode ser de tantos jeitos que me perco entre as palavras certas para lhe dizer nesta carta de longa data...
Esta carta é para ser lida assim... sentindo o falar de saudades... de solidão... de buscas e idas sem voltas... por caminhos de flores e chuvas...
Mas, também pode ser lida... assim, assim... por caminhos de sonho... onde os pensamentos voam para distâncias longínquas e queridas... onde o mundo não é de estátuas e cavalos, nem de caminhos livres... ou mesmo de mapas que podem ser seguidos... lá onde as horas não existem... e o relógio marca só o tempo que não foi...
São as trilhas de nossa Saint Michel... Ao longe o silêncio da abadia... o canto monástico, quase gregoriano do coração... Lá onde o calendário da parede não marca mais o tempo e os castelos só existem no coração... e esse, o meu, que não para de bater, nem de sonhar... com fontes que jorram palavras e sentimentos... e flores no portal de madeira ou rosas para viver o dia. Lá, onde a morte não tem vez e as flores fazem o feliz... nas janelas da vida... nos espelhos da alma... Longe, tão longe do chão...
E lá nas paredes de pedra rodeadas de água entardecentes, faz-se o tapete para os pés incansáveis, olha-se as belezas do caminho que se ornam de pingos de chuva, outras que se escondem por entre os verdes... sem rumo... sem eiras, nem beiras sempre em busca de sinais.... esquinas, que vivem sinaleiras dizendo, ainda, que o destino almejado pode estar próximo...
É quando a paisagem muda. As casas se vestem de pedras negras - "shivas" - e o lugar passa a ter um ar de tempo antigo, um ar medieval, que parece se carregar de ancestalidade em cada janela ou telhado do tempo...
Passantes gentis estendem gentilezas à navegadora errante que procurava o que nunca visto: um buquê de boas vindas na porta da casa, o amanhecer com as folhas serenadas da chuva e as florezinhas desejando um bom dia à alma que madrugou o dia e cujos pés passeavam por ali...
As gotas de lágrimas também estavam no coração que nunca mais deixará de chorar a sua dor. E mesmo o encanto da natureza matinal, não apagavam os pensamentos e sentimentos da alma. Os olhos se perdiam, pensativos, no rendado das folhas. Espiavam o mundo lá fora com cuidado e as flores vinham apaziguar o choro interior com sua beleza e sua simplicidade. Miúdas e azuis - feitas para uma Maria a alma acalentar, coloridas, para aquecer o coração...
Nem todo o tempo se estava em solidão. Nem todas flores eram para só este coração. Ao longe, o colorido chamava a atenção. Pareciam beijos no amanhecer, selados na paz e calmaria das manhãs... beijos de luz que traduziam o amor, o encanto e a paixão de um coração...
E a manhã se fez assim... No caminhar em solitude de vida, vagar por entre os perdidos do pensamento, sonhando com duas mãos dadas e um abraço quentinho.
Mas, tudo era só silêncio e solidão. Distante, o arvoredo parecia dormir, esperando as réstias de sol surgirem para aquecê-los na manhã gelada e molhada...
Aos poucos o dia foi clareando e a neblina se dissipando no céu atrás das árvores. A natureza já brilhava mais e o sol começava a secar as gotas de lágrimas da face, enquanto novos botões se formavam em sorrisos e lançavam-se em direção à luz...
Talvez, talvez... eu devesse aprender com eles: aprender que, independente de tudo, sempre somos botões de luzes e somos fortes como os carvalhos nas manhãs. E imponentes como os pinheiros do campo. E que, mesmo em meio as águas da manhã, podemos estender os braços de flores e sorrir primaveras em meio as lágrimas de amor... presentear rosas ao próprio coração, pétalas de amor em todas as direções... Semear o pólen da vida, mãos estendidas em direção ao céu e as antenas da alma sintonizadas no divino...
Ou, podemos viver, mãos dispostas às borboletas e suas asas... prontas para o zumbido dos colibris, ou, ainda, das abelhas que ali colhem o néctar da vida.
Sempre podemos nos fechar em momentos de reflexão, ou nos abrir em estradas para os próprios pés ou para os passantes caminharem. Mas, importante é sabermos para onde queremos ir e de onde viemos para sempre saber o caminho de volta... caso precisemos retornar de onde viemos...
Nunca esqueças, Joseph querido! As lágrimas são pérolas que o coração joga ao vento. E, assim como a flor, expressam todo o amor que mora na alma.
Observe! Mesmo um pequeno mimo do campo encanta os olhos, enquanto o dia já vai pela metade e as flores do caminho já são outras, agora ornadas de sol e verde da tarde. Simples, queridas... doces... Cheias de esperança - vestidas de roupagem verde para o muro de pedras. Ou de vestidos aveludados de sonhos, como as flores na varanda ou as sementes altivas dos pinheiros, um lar doce lar de alguém, um canto de amor, janelas maravilhosas e suas jardineiras. Detalhes que aos olhos entrenecem como encanta o amor que vivemos... É assim a vida! Cores e belezas, campanas de sol.
Vês os detalhes dessa flor? São como estrelas do céu, meu amor! Lançam faíscas de cor e belezas. Mas há outras que vivem no escondidinho e aquelas que revestem paredes e janelões com seus botões ainda em formação...
A vida é essa mistura que encanta. A singeleza da flor preferida em meio ao azul do coração, a beleza e o toque de charme rosado ou o encanto das petúnias e hortênsias, um brinde aos olhos ornados da tarde...
Uma pequena e exótica flor cruzou meu caminho em meio à solidão de meus dias em Saint Michel... Parecia uma rosa, mas quem diria que era? Não sei... Enquanto lá do outro lado do mar, na estufa, as margaridas amarelas... o cheiro gostoso das flores de mel. Pequenos botões se abrindo em todas as direções. Cores que parecem nem existir...
Sem palavras para falar da beleza e as saias rodadas de festa e melodia, o veludo bordô respingado de chuva, a pelúcia rosada das rosas e as flores de mel com cheiro azul de amor refletindo encantos no toque de luz e simplicidade da meia flor ou no vestido matizado e de ouro de amor, ornamentado...
Meus encantos azuis se voltam para ti. O pensamento se eleva. Os olhos contemplam o céu. Se voltam em direção à luz como nós voltamos a face do coração em direção ao amor.
Então das águas brotam belezas inimagináveis que iluminam a tarde. Portões e trilhas que se abrem e flores exóticas pra enfeitar a despedida do dia... Riquezas que meus olhos úmidos de saudades ainda encontram...
No cais da vida, a corda e o tronco são um só. Pertencem um ao outro e fazem de tudo para sempre ficarem unidos... sejamos esses nos que não se perdem mais, elos que unem e enlaçam duas almas que vagaram universos até se encontrarem por entre as lágrimas de dor e felicidade...
Tudo aqui é imbuído de simbolismo e tem significados que minha própria alma desenha enquanto percorre lentamente o caminho de volta. Ainda há tempo para olhar as marcas no tronco ou contemplar o lago de pequenas vitórias-régias, onde os ramos se espelham e se veem ou se escondem por debaixo das folhas em forma de coração...
A solitude da vida é visível num banco vazio. Podíamos estar ali, nós dois e o mundo de amor de dentro do peito...
Mas plantamos saudades em meio ao sonho do amanhã...
Veja meu amor! As flores tem a cor do amor no coração. E elas o expressam nas pétulas e no aroma que jogam ao ar em profusão... Ramagens de pequenos botões de luzes, papouladas de sol, viradas em sorrisos, um bucólico conjunto de despedidas da tarde que já vai longe...
E a vida se faz no retorno por caminhos e estradas assim, preenchendo distâncias e enchendo os olhos de luz, o caminhar por entre as trilhas já feitas, portões e trilhas que levam a mundos novos e desconhecidos...
Estradas sempre levam para algum lugar, meu amor querido, enquanto o tapete de folhas mortas e as placas do caminho dizem que ainda há trilhas as quais os pés podem seguir...
Sigo... vem comigo Joseph querido... camihemos, mãos dadas, corações uníssonos, pelas trilhas de amor de Saint Michel...
Com um beijo de saudades,
Tua Marie.