Maria
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Cartas de Saint-Michel - dos sonhos

Um dia você me perguntou sobre os sonhos. E lembro que me disseste: Eu sonho. Pois eu também. Alguns que nunca te falei e que agora, penso, seja a hora de falar, mesmo que eu não saiba se estas cartas estão chegando até você. Falo igual. O vento escuta e um dia, em algum universo ou tempo elas chegam até você.

 

Desde que te vi pela primeira vez, eu sempre senti a tua dor. Ela é a mesma minha. Você tem ânsias de amor e quando te encontrei achei, pelas tuas fotos, que estavas arrastando as asas pelo chão como eu. Eu me vi em ti, nas tuas fotos, no teu mundo. Eu queria estar lá dentro dele. E eu lutei ferozmente para entrar pela porta entreaberta, construir um ninho numa daquelas flores de tua varanda, me enrolar nos fios que aquela aranha fez, e da montanha de amor que és, ficar. Sonhei fazer lá uma morada.

 

Mas você me empurrava pra fora. Tinha medo de mim. Da intensidade, talvez, que eu era. Era não, sou, mas hoje aprendi a esconder, camuflar, transformar em poesia. A poesia me salvou de me deixar morrer. Depois que te conheci só queria viver. E acho que ao falar contigo em cada texto eu fui depurando as dores da alma. Hoje eu consigo olhar pra trás e reconhecer que quando me deixou seguir sozinha os meus caminhos, eu aprendi a voar de verdade. Antes me escorava em ti com minhas asas pendidas e frágeis.

 

Eu sou muito grata ter te encontrado. E grata por ter encontrado o sentido de meu próprio viver. Encontrei um caminho para amar e ser amada como sempre busquei.

 

Depois que você me convenceu que eu podia poetar eu sonhei com um lugar onde nós pudéssemos fazer isso juntos, não separados - cada um no seu canto, mas juntos, como se eu fosse você e você eu, assim, assim, nós dois, um só, num mesmo lugar. Eu sonhei isso. E achei que podia ser na tua casa, no teu lar, no teu recanto. Onde eu não precisasse mais comentar tuas poesias, mas fazer parte delas, estar nelas, responder cada uma com toda imensidão de sentires da alma. Ou seja, escrever contigo elas. Era assim que eu sonhava e entendia minha, tua, nossa missão: escrever juntos uma história de amor que movesse o mundo para um caminho de paz, de alegria, de felicidade em ler e viver a poesia da vida como ela é, de viver a vida na poesia como somos. A história de Joseph Marie e de Marie Joseph. Talvez eu esteja falando tarde. Mas eu precisava falar mais isso, enquanto ainda vejo a porta entreaberta.

 

Um dia eu li O quadrado de três pontas. Acho que de todos que li até hoje esse era o mais lindo. Eu estava lá, em cada linha escrita e nas entrelinhas. Eu me via nele, inteira, completa. Eu sabia que falavas de outra mulher, assim como sabia que todas poesias que me trazias foram escritas num tempo que não foi meu, mas teu. Mas eu tomei posse daquela carta e todas as outras que quis. Adonei-me. Fingi que era para mim. E respondi cada uma de acordo com minha reação, emoção. Se ficava brava escrevia um texto brigando, se ria às gargalhadas escrevia um texto brincando, se chorava escrevia chorando e procurando te dizer pra não ficar mais triste, sonhava ser o vento para entrar na tua janela e suavemente curar a tua alma. Como a maioria era carregada de tristeza meus textos acabaram sendo assim também.

 

Então era isso, enfim... só queria dizer, contar... explicar... se é possível isso, explicar o inexplicável

 

Se cuida Josepf, por favor.

Beijo

Da Marie.

Outubro de 1988.

Olhando de longe a Abadia de Saint-Michel.

Maria
Enviado por Maria em 09/05/2023
Alterado em 08/09/2024
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