É um silêncio seco, pungente, dolorido.
Não tem ritmo, não permite dançar, nem voar...
É uma secura do tempo,
como se o passado estivesse sendo novamente apagado
e esse apagamento do passado,
incluísse, inclusive, os meus sentimentos, a minha existência,
a minha jornada de mãos dadas com o sol
pelos caminhos ancestrais trilhados até aqui.
É uma dor que alcança as profundezas
e remete ao desejo de desistir de tudo
como tantas vezes já lamuriei e coloquei no horizonte,
mas nunca o fiz.
O trem não vai passar.
Disso já soube.
E talvez não importa mais.
Há uma Despedida que respira e se despe de quem vai...
há essa mão se distanciando, os silêncios não ditos,
mas tão absurdos e gritantes,
os descambos de Não quero e Não preciso
retumbando ensurdecedores no lugar do coração.
Será que o coração ainda bate?
Tento ouvir, tento sentir o seu movimento,
tento perceber a sua emoção...
Não vejo uma face,
não vejo um sentimento escorrendo dos olhos,
nem consigo ouvir a voz ou o grito do silêncio
me pedindo ou mesmo me sussurrando para acreditar em algo,
para não deixar as pedras do edifício do amor e das palavras
despencarem nos despenhadeiros da alma
sem encontrar pouso ou lugar num coração
que as acolha e delas construa um castelo de amor.
O silêncio é tão profundo que seu vazio corta como espada
fazendo a sopa de sementes se tornar insossa e intragável.
É que a fome dos sentidos é de uma imensidão imensurável,
mas o cansaço e as sequelas das tuas Partidas e Despedidas,
após tantos milênios, se fazem sentir.
Talvez é o que falta aceitar - a partida da alma,
do calor da mão que se vai devagar no ranger do último trem
que me empurrou janela do tempo afora
e partiu com uma melodia ensurdecedora e sem nexo
naquela segunda-feira do outono que já se finda em minha vida.
Não sei desacelerar a dor.
Não sei fechar os olhos para as rachaduras na pele,
para o vale de abismos que se desenhou
no interior dessas fissuras abertas
e no qual não consigo, ainda,
vislumbrar um rio ou um caminho
que me permita caminhar
como vinha fazendo no tempo do tempo.
Não sei se percebes, mas o sorriso nos olhos perdeu o seu brilho,
os olhos divagam pelo nada e por pontos sem os ver
e a boca se cerrada - sem palavras, apenas olha para o vazio do nada...
E o nada que tenho, não é o tudo para quem tudo deveria ser.
Ainda respira a alma nas luzes de uma janela da vida
ainda sustentam um continuar em algo
que não se sabe mais, exatemento o que é...
Compreende-se ser que pode ser...
e o que pode ser é o que há... luzes silenciosas
que, por piedade, ainda nutrem a alma da flor...
Talvez seja, talvez não, como saber>
A profecia dos sonhos é que se façam asas
em meu milagre de eternidade
e se concretize o anjo a zelar os caminhos do sol
por onde quer que ele direcione o seu andar.
O que tenho agora?
O que tenho agora, neste instante
enquanto a minha emoção percorre o corpo
sentindo um tocar do outro lado de minha vida
e um clamor por uma primeira dança da primavera
que nunca mais chegou em minha vida...?
Escorre o sentimento tatuando crateras e laivos de amor e dor
pela face já envelhecida pelo tempo...
Como conceder uma dança de primavera
num inverso tenebroso e frio que se faz agora?
Como conceder?
É um silêncio seco, pungente, dolorido, esse...
Não tem som, não tem música, não tem ritmo,
nem partitura de letras, pausas e notas não há...
É um silêncio seco, pungente...
não tem asas para dançar e voar...