Maria
Prosa e Poesia
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Silêncio Seco

É um silêncio seco, pungente, dolorido.

Não tem ritmo, não permite dançar, nem voar...

É uma secura do tempo,

como se o passado estivesse sendo novamente apagado

e esse apagamento do passado,

incluísse, inclusive, os meus sentimentos, a minha existência,

a minha jornada de mãos dadas com o sol

pelos caminhos ancestrais trilhados até aqui.

 

É uma dor que alcança as profundezas

e remete ao desejo de desistir de tudo

como tantas vezes já lamuriei e coloquei no horizonte,

mas nunca o fiz. 

 

O trem não vai passar.

Disso já soube.

E talvez não importa mais.

 

Há uma Despedida que respira e se despe de quem vai...

há essa mão se distanciando, os silêncios não ditos,

mas tão absurdos e gritantes,

os descambos de Não quero e Não preciso

retumbando ensurdecedores no lugar do coração.

 

Será que o coração ainda bate?

Tento ouvir, tento sentir o seu movimento,

tento perceber a sua emoção...

 

Não vejo uma face,

não vejo um sentimento escorrendo dos olhos,

nem consigo ouvir a voz ou o grito do silêncio

me pedindo ou mesmo me sussurrando para acreditar em algo,

para não deixar as pedras do edifício do amor e das palavras

despencarem nos despenhadeiros da alma

sem encontrar pouso ou lugar num coração

que as acolha e delas construa um castelo de amor.

 

O silêncio é tão profundo que seu vazio corta como espada

fazendo a sopa de sementes se tornar insossa e intragável.

É que a fome dos sentidos é de uma imensidão imensurável,

mas o cansaço e as sequelas das tuas Partidas e Despedidas,

após tantos milênios, se fazem sentir.

 

Talvez é o que falta aceitar - a partida da alma,

do calor da mão que se vai devagar no ranger do último trem

que me empurrou janela do tempo afora

e partiu com uma melodia ensurdecedora e sem nexo

naquela segunda-feira do outono que já se finda em minha vida.

 

Não sei desacelerar a dor.

Não sei fechar os olhos para as rachaduras na pele,

para o vale de abismos que se desenhou

no interior dessas fissuras abertas

e no qual não consigo, ainda,

vislumbrar um rio ou um caminho

que me permita caminhar

como vinha fazendo no tempo do tempo.

 

Não sei se percebes, mas o sorriso nos olhos perdeu o seu brilho,

os olhos divagam pelo nada e por pontos sem os ver

e a boca se cerrada - sem palavras, apenas olha para o vazio do nada...

E o nada que tenho, não é o tudo para quem tudo deveria ser.

 

Ainda respira a alma nas luzes de uma janela da vida

ainda sustentam um continuar em algo

que não se sabe mais, exatemento o que é...

Compreende-se ser que pode ser... 

e o que pode ser é o que há... luzes silenciosas

que, por piedade, ainda nutrem a alma da flor...

 

Talvez seja, talvez não, como saber>

A profecia dos sonhos é que se façam asas

em meu milagre de eternidade

e se concretize o anjo a zelar os caminhos do sol

por onde quer que ele direcione o seu andar.

 

O que tenho agora?

O que tenho agora, neste instante

enquanto a minha emoção percorre o corpo

sentindo um tocar do outro lado de minha vida

e um clamor por uma primeira dança da primavera

que nunca mais chegou em minha vida...?

Escorre o sentimento tatuando crateras e laivos de amor e dor

pela face já envelhecida pelo tempo...

 

Como conceder uma dança de primavera

num inverso tenebroso e frio que se faz agora?

Como conceder? 

 

É um silêncio seco, pungente, dolorido, esse...

Não tem som, não tem música, não tem ritmo,

nem partitura de letras, pausas e notas não há...

É um silêncio seco, pungente...

não tem asas para dançar e voar...

Maria
Enviado por Maria em 01/06/2023
Alterado em 01/06/2023
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