Maria
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Do jeito que Maria é

De um tempo que não volta mais...

 

Os líquens que caem pelo ar no sopro do vento sou eu. Me deixo levar pelas ondas e intempéries da vida, às vezes, alma embriagada de encantos, noutras chovendo chuva em meus pra dentro. Se silencio é porque quero falar e não consigo, se falo é quando devia silenciar e não o faço... Na mudez grito! E o eco de minha voz caminha pelo seu silêncio, pelas brumas da manhã e a chuva da tarde. Articulo pausas na cadeira e os dedos a tocar o piano da vida para repousar, descansar do cotidiano, tão difícil, às vezes. Reconheço que estou decepcionada, não reconhecendo o mundo ao meu redor. É como ele repetisse minha vida, cena após cena. Desde o receber de um pequeno pirulito de presente, até um café misturado com álcool na noite obscura e fria... O telefone toca sem parar, mas são sempre chamadas de outros mundos, outros territórios. Do céu não recebo chamadas, nem do Sol... As sinaleiras estão sempre fechadas e guardiões estão parados na beira da estrada. Um leão guarda o portão do paraíso e mesmo que eu não tenha mais medo dele, seus olhos me olham acusadores. Me vejo lá, em sua pupila - me reconheço nele em minha gana de arranhar, gritar e matar e devorar meus inimigos (que não tenho). Mas também me vejo naquele passarinho nas mãos da mulher. Ela o salvou, mas ele bicou sua mão várias vezes até que ela o libertou. Não sabia ele que ela o levaria a liberdade... A gente nunca sabe... Eu também arranho e mordo quando queria abraçar, dançar... Sou humana. Sinto saudades, ciúmes, angústias, ansiedades, quero tudo pra Agora por isso faço mil coisas ao mesmo tempo. Mas, estou cansada e sei, sei sim, preciso fazer algo a respeito. Não consigo entender como deixei as coisas chegarem a esse ponto. Onde foi que a chave do mundo caiu e eu não vi e a deixei lá deitada? Onde foi que o céu desceu à terra numa nuvem de furacão? São coisas que me passam, reflexões que me assustam. A mente não para. As mãos também não. No caos da faina diária me perco. E o que me sustenta a vida, o que faz a minha essência - não sobra tempo. Como hoje - o mundo girou sua roda de pedra e me atropelou no meio do caminho. É tudo tão rápido. É tudo tão estranho. Eu só queria um abraço, um só que não fosse eu quem desse e que não tivesse um propósito por detrás. Queria um abraço que me fosse dado por amor, para dizer que quem abraça está junto, abraço de acalanto, de carinho, de saudade, abraço que se alegra com minha presença, que fica junto nos meus silêncios, nos meus choros, quando choro com quem chora, quando abraço quem perdeu a vontade de viver, que esteja comigo quando me perco nos andares da universidade, quando não lembro onde é minha sala de aula, quando entro na porta errada, no armário ao invés de sair pela porta da frente. Quando não entendo o que me falam ou me perco em reflexões no meio da conversa e depois não sei mais me achar. Quando ao invés de conversar escrevo palavras e poemas em guardanapos de papel, em bilhetes, notas fiscais e depois, muitas vezes, as perco por meses... É difícil mudar. Por longos anos eu tentei, mas continuo caindo das escavas, batendo nos trincos das portas, resvalando em minhas próprias chinelas, tropeçando na rua, nos troncos, nas pedras... tudo porque vivo com o pensamento em outros mundos, em outros planetas. E me sinto uma extraterrestre. Penso que é assim que as pessoas me olham, me veem... Essa mulher não existe já disseram sobre mim. Eu existo sim! Mas minha existência é confusa, eu sou confusa. Me perco entre as mil senhas da minha vida, não acho meus arquivos no computador, apago outros para sempre sem querer... Não sei cozinhar, não gosto de disso ou daquilo. Não como nem camarão que todo mundo adora. Que dirá abóbora com camarão... Não vejo que vizinhos sejam um problema. Eu gosto da música deles, eu acho bonito os cabelos compridos, a voz, até os gritos e manhas da criança eu não me importo. E daí se eles não sabem cuidar do lixo e o esquecem no chão da rua? Eu também não faço o que devia com o lixo do cotidiano. Vem ver minha casa e vais entender. É uma bagunça. Meu jardim está um caos. Falo com as plantas e elas não me respondem. O único que fala comigo é o gato. Seus miados são respostas, mas eu não entendo sua língua. Ele fala muito rápido, não tenho coordenadas para compreender as coisas em alta velocidade. Eu sei correr, sou multada e castigada por isso, mas é só uma forma de fazer o vento entrar pela minha janela e acariciar meu cabelo... ... Desculpa meu desabafo. Eu nunca consigo falar assim, me engasgo, as palavras não vem ou se saem da boca saem com dor, raiva como flechas sibilando no meio da floresta em fuga ou das chamas em labaredas de fogaréu. Me sinto um menina que coloca meias nos pés pra dormir e caminha com suas chinelas e que usa coberta peluda para se deixar abraçar sem cobranças, só abraçar, cuidar, proteger... Acho que ainda sou aquela menina do meu sonho de volta ao passado, olhos de ametista e franjas na testa, aquela que me encontrou numa esquina da rua num dia de reflexão. Minhas descoberta sobre eu mesma me surpreendem. Por que fui em busca de novas espiritualidades? Por que estava cansada de só falarem, do preconceito, das falas que colocavam sombras e erros nas outras religiões. Eu não busquei encontrar o que não tinha, porque eu já carregava em meu peito, em meu coração. Eu só queria amigos diferentes, fora do usual da igreja, da faculdade. Eu queria conversar, ouvir outras conversas que não só sobre pecado, erros, castigo de Deus. E do amor eu não vivia porque entrava e saia e nem me viam... Quantas pessoas solitárias me procuravam na saída porque não havia uma alma para as ouvir... Por isso migrei para outros mundos em busca de fortalecer minha fé e minha palavra escrita. Nunca abandonei o que acreditava, só fortaleci. Encontrei amigos queridos como busquei e sempre farão parte de minha vida, vamos sempre cozinhar juntos, lavar taças e copos lado a lado, mas cada um segue sua estrada, sua fé, e está tudo bem. O que devia fazer eu não fiz. Não produzi uma vírgula do que devo. E sei que posso em um instante. Tenho capacidade para escrever o que quiser, com quiser, do jeito que for. De trás, de frente. Escrevo. Posso escrever um livro em poucas horas ou um manual em duas semanas. O problema é que não tenho foco e me enrolo em muitas coisas ao mesmo tempo. Cuido mais dos outros do que de mim. A dor do outro me massacra e não sossego enquanto não o possa fortalecer para caminhar sozinho. Mas... eu sei... como fazer isso se eu mesma ando cambaleando? Nem meu filho consigo ajudar. Não o reconheço mais. Não vejo mais o Guerreiro Forte que é o significado do seu nome. Vejo um menino que leva na mala de viagem um barco-skate, alguns cadarços, isqueiros e bloco de papel. Que compra camisetas e não as usa. Que sabe o que precisa fazer e não tem forças. Eu choro e me lamento por ele. E ele não sabe a dor de uma mãe em ver o filho desmoronar no meio do caminho da vida. Eu o criei com asas para voar, o levei até o portão e disse: agora voa, você pode, você é uma águia forte, guerreira e linda. Mas, talvez foi cedo demais, ou muito tarde... talvez o tempo de voo não foi o certo. Eu medi sua força por mim e ele não sou eu. Ele saiu do casulo como aquela borboleta amarela com bolinhas pretas que eu ajudei a sair cortando um fio que prendia sua asa. Ela nunca voou, caminhou pelo corpo molhado de chuva de um menino com sua asa deformada porque lhe cortei o fio que a lapidaria na fase final e depois a levei a uma folha do jardim. No dia seguinte estava morta. Que dor. Que fio da vida de meu filho eu cortei ? Ou foi a vida? Ou foi ele? Ou não havia fio a cortar e eu não entendo a sua dor, o seu sofrimento. Mas sofro por ele. Choro por ele. Como chorei por você. Como medo que sua tristeza o levasse a não esperar a brisa do vento chegar. Com medo que não se amasse o suficiente para viver. Fazendo preces diárias para que tivesse forças de abrir a janela da vida e olhar as belezas com que és presenteado todos os dias e parecia não estar vendo. Eu via sua dor nas imagens, nas flores plantas diariamente no jardim. Mas também sei que via a minha porque somos tão iguais, tão metades de uma mesma pedra, de um mesmo planeta, de um mesmo mundo que eu me via em ti e por isso entendia, por isso sabia a extensão e a intensidade do teu sentir... ou do meu. Essa é a minha vida. Essa sou eu. Uma flor que chora ao ser tocada e muitas vezes o é por seus próprios espinhos. Não sei ver meu sorriso como você vê. Não sei ver o brilho dos olhos com você vê. Não gosto de me olhar no espelho porque o reflexo me diz que tenho de mudar sempre de novo, fazer algo para poder continuar vivendo. Sei que não estou sozinha. Sei. Sei que gosto da solidão, mas daquela que me faz meditar, refletir e não daquela que dói e me faz me perder no meu caminho. Gosto daquela solidão que o outros veem, mas que eu sei que alguém caminha comigo... eu sinto, eu vejo, eu sei... É isso. Que esta carta te encontre bem, que lhe mostre como és importante em minha vida, que se saiba amado e querido e que nunca serás abandonado na beira da estrada como nunca foi... Fica bem. Se cuida. Beijos. Da Maria.

 

 

Texto e foto:

 

Maria
Enviado por Maria em 25/02/2024
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