Maria
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Eu conto a tua história XV - Que ele se encontre bem
E ontem deixei ele e o pai dormindo e voei pra uma reunião que quase me tomou a manhã inteira. Acabei tomando café às 9 horas lá e por fim, como a reunião terminou às 11:00 acabei ficando lá para almoçar.

Enquanto esperava a hora do almoço fui ao auditório assistir um DVD sobre o Lázaro (ex-oludum) com alguns residentes. Ao sentar ao lado de um deles, ele já começou a puxar conversa. Me pediu se vim visitar alguém. Eu disse que tinha vindo analisar as contas da comunidade terapêutica do ano de 2009. Pediu se eu era da diretoria. Disse que não. Que era do conselho fiscal, um órgão que fiscalizava as ações da diretoria, através das atas da reunião dessa e da análise das contas. Acho que ele me achou confiável, porque logo se sentiu à vontade e começou a falar sem parar.

Me contou porque estava ali, sua vida, seus problemas, sua saudade do pai que fazia 13 anos que não via. E ele tinha 25 apenas.

Fiquei lá sentada do lado dele e ouvindo. É o mais importante. Não precisa dizer nada, só precisa ouvir. É o que eles precisam. E pra mostrar como achava importante tudo o que ele me dizia, como me importava com ele,  deixei de olhar a tela e olhava apenas para ele. De repente ele me disse:

- A senhora não me leve pro lado mal, mas eu queria lhe dizer uma coisa. A senhora tem um rosto tão bonito. Seus olhos transmitem tanto amor e paz. Fez bem pra mim conversar com a senhora.

Claro que fiquei super encabulada, mas ao mesmo tempo emocionada em pensar em como alguém que busca paz e amor, que mesmo estando tantos anos longe do pai, sofrendo saudade e dor, e ainda alimentando sonhos de vê-lo, pôde quase jogar a vida fora em troca do prazer de uma pedra.

Logo alguém anunciou que era hora do almoço e fui com ele para o refeitório. Ao chegar lá, ele me apontou uma mesa dizendo que era a mesa dos visitantes. Claro que eu já sabia disso, pois estou lá dentro como voluntária desde 1999. Mas deixei ele me explicar que era um lugar especial para os visitantes. Enfim me despedi e rumei pra tal mesa enquanto ele rumava para o seu lugar. No momento a casa tinha 44 residentes adultos e 9 adolescentes. Mas os adolescentes tem uma casa e refeitório à parte. Logo chegaram dois funcionários pra almoçar comigo.

Como sempre saí de lá impactada. E mais uma vez tendo a certeza que Deus colocou tanto amor em meu coração para que eu o compartilhe com os excluídos, doentes, combalidos e abatidos pela vida, meus cisnes tão sofridos e carentes...

E mais uma vez fui grata a Deus por minha vida. Pela vontade de viver que todos os dias nasce em mim. Pelos sonhos que posso ter, mesmo impossíveis de se realizar, mas que me dão alento e que me impulsionam para continuar a lutar. Sempre, sempre, sempre. E minha oração é para que esse moço, que mesmo tendo me contado sua vida, esqueceu de dizer seu nome, possa encontrar a cura da alma, a alegria de viver, e a busca da realização de seus sonhos (encontrar seu pai).

Escrita em 22/04/2010 às 10h05  em meu blog pessoal

Que ele se encontre bem... mesmo passado tantos anos estou aqui lembrando dele
Maria
Enviado por Maria em 16/04/2024
Alterado em 31/05/2024
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