Eu tenho consciência do tempo.
E que ele segue lépido com a areia
que escorre em minha ampulheta sobre a mesa.
Sei que existe a temporalidade da vida,
mas vivo atemporalmente entre os pare-e-siga
das sinaleiras cimentadas de minha bela cidade.
Sigo no meu tempo,
procurando compreender o outro
e dirigindo de modo a evitar colisões.
Mas, às vezes, elas acontecem.
E podemos ser isentos de culpa,
mas os danos causados pelo outro em nós
já estão feitos e não há compaixão
para o sofrimento imposto.
É quando a vida nos dá um desbote
e nos lança direto no meio da tempestade.
E mesmo que tenhamos momentos de paz e silêncio
não podemos esquecer
que ainda estamos no olho do furacão.
É preciso ficar de guarda,
é necessário fortalecer a alma, o espírito,
buscar forças onde não há mais
para se erguer sobre as chamas
e lavas incandescentes.
Voar por cima do medo e da dor.
E nunca esquecer a lógica bumerangue do universo:
a pedra que jogam em nós pode até nos derrubar,
mas vamos nos erguer qual fênix das cinzas,
enquanto a pedra segue seu caminho
para voltar às mãos que a jogaram com tanta violência em nós.
O tempo... o tempo há de curar nossas feridas...
Por isso, se desenrole da dor
e siga as luzes que piscam nas sinaleiras solitárias...
elas com certeza nos levam para algum lugar,
onde a vida acorda os sonhos
esquecidos no umbral do tempo
e descobrimos que,
mesmo aos 70 anos de sonhos,
merecemos ser felizes...