Ela dançava de olhos fechados. Não precisava ver porque poucos se encontravam na pista de dança.. Toda de vermelho atraia a atenção. Também porque, para alguns ali presentes, ainda era uma lembrança. Havia residido naquela cidade até seus 14 anos e só haviam se passado quatro desde o dia que partira.
Ela dançava de olhos fechados. Era mais fácil lembrar os movimentos e, assim, não sentia timidez ou vergonha. Era muito tímida. Fora àquele lugar com a prima e o namorado. A convidaram de última hora. Vestiu o macacão e a sandália e foi.
Era a primeira vez que entrava numa discoteca. Antes disso, só dançava em casa - com os filmes de Olívia Newton-John e John Travolta - ou nas festas de família, casamentos (com o pai, irmão, tios, tias e primos).
As luzes, a semiescuridão, tudo a encantou...
Logo foram para a pista de dança e quando as músicas que amava foram tocadas, ela fechou os olhos e dançou -
sozinha.
No entanto, ele veio. Lá detrás de um grupo surgiu e, sem pedir licença, a acompanhou na dança. Logo estavam apenas os dois, dançando as músicas mais loucas...
Ela se libertou de todos os medos e da timidez e dançou como uma criança. Os dois combinavam os movimentos e havia momentos em que ela percebia que as pessoas que a conheciam do passado, a olhavam perplexas. Era mesmo ela? Aquela menininha ruiva, sardenta, risonha, engraçada, mas profundamente tímida - que havia deixado a cidade e os colegas do ginásio para trás? Era ela aquela garota que vivia embutida em um livro e nunca saía de casa a não ser para ir à escola, às aulas de teatro e à igreja se confessar pelo que nunca fez?
Era. E ela dançava como um colibri ao redor de uma flor.
Quando tocaram as músicas "lentas", ele a tomou em seus braços e dançaram coladinhos. Não se conheciam, mas só precisavam se olhar e dançar. Dançar, dançar e dançar...
Em um momento, ele parou e a convidou para ir ao balcão da varanda da discoteca. Ficaram lá, lado à lado, braços no balcão, olhando a noite enquanto ele fumava um cigarro... (...). De vez em quando, o colocava em sua boca para que também tragasse.
Silenciosos ficaram ali por muito tempo. Não havia o que dizer. Eram apenas companheiros de dança e de balcão.
Quando voltaram para a pista de dança, esta estava lotada. Dançaram até cansar e depois sentaram ao lado da prima e o namorado para conversar. Ela não falava. Eles se conheciam, ela não.
Em um determinado momento, a prima anunciou que iria para casa com o namorado. Ela queria ficar. Então combinaram que o moço a levaria. A prima e o namorado se foram e ela ficou com o rapaz.
Dançaram toda a madrugada. Altas horas ela, cansada, pediu para ir. Saíram pelas ruas de mãos dadas. Ele falava pouco e ela mal conseguia expressar uma sílaba. Tímida, só queria caminhar, assim, assim, de mãos dadas.
Ele a levou até o portão. Esperou a prima abrir a porta e se despediu, tocando sua face com os dedos e depositando um beijo em sua bochecha. Ela esperou que ele fosse e, silenciosamente, entrou.
Nunca mais se veriam. Mas a lembrança desse dia em que ela dançou a noite toda com um desconhecido nunca se apagou.
Às vezes ela se pergunta por onde andaria ele. Com que Maria estaria dançando hoje?
Ela? Nunca mais - nos braços de um homem - dançou...