Minha mesa ficava num auditório. Bem no cantinho, escondidinho do mundo. Ele entrou e não me viu lá. Sentou numa cadeira bem nos fundos e ficou por lá, quietinho. Em um dado momento peguei minha garrafa para buscar água. Ao passar parei e perguntei:
- E o senhor? O que faz por aqui?
Ele ficou surpreso ao me ver e perguntou de onde eu surgi. Contei que estava o tempo todo ali, atrás da bancada do som, em minha mesa. Ele respondeu minha pergunta:
- Sou paga-pena. Estou aqui já há dois meses. Cuido do som. E você?
- Eu trabalhei aqui. Hoje é meu último dia. Posso perguntar por que o senhor é um paga-pena?
- Ah! Eu sofri um processo administrativo no trabalho no passado e agora o juiz determinou que tenho de prestar uma ação comunitária e eu escolhi esta instituição. Estou pagando minha pena de seis meses de trabalho comunitário.
- O senhor trabalhava com som?
- Trabalhei numa TV universitária. Era técnico de som.
Eu sentei numa cadeira perto dele e fiquei ouvindo ele me contar sua vida, seu trabalho, família. O ouvi por quase duas horas. Contou porque estava prestando esse serviço e concordei com ele que foi uma injustiça, mas ao final ele mesmo me disse:
- Sabe? Eu estou feliz que fui obrigado a fazer isso. Aprendi muito aqui. E também fiquei feliz que saí do serviço público quando tudo aconteceu: me aposentei mais cedo pelo INSS (vários anos) e recebo bem mais de aposentadoria do que receberia se continuasse no serviço público.
Então contou da família, a esposa que adora, os dois filhos de um outro casamento. E então me disse:
- Sabe o que a minha senhora me falou várias vezes? Sempre me fala? Ela diz que o universo continua se movendo e que as penas (plumas) do chão voam com o vento de cada passo que damos.
Fiquei impressionada e falei:
- Muito sábia a sua senhora. Uma amiga sempre me disse em momentos muito difíceis meus que o universo se movimenta como um bumerangue. Ele vai para onde o jogamos, mas depois ele volta em nossa direção. E acrescentava: Maria, o universo devolve - por meio desse efeito bumerangue - toda pedra ou toda flor jogada e acredite, eu só vejo você atirar flores...
Ele também ficou impressionado com minha fala e seguimos conversando por mais um tempo. Quando eu disse que precisava ir para casa ele me falou:
- Maria, então não esqueça. Sei que hoje é seu último dia de trabalho e está preocupada com o que vai ser, com o seu futuro, então não esqueça. O universo continua se movendo para você. Os caminhos vão se abrindo na medida em que você avança. Com teus passos as plumas se movem de lugar. E você vai receber de volta as flores que jogou...
Hoje lembrei dele... Sigo com meus passos. E o universo está se movendo... o bumerangue está voltando... as plumas continuam se movendo...