Parece aquelas redações do tempo de ginásio. Não é. É uma carta que escrevi no dia 18 de outubro de 1986. Assim eram minhas cartas. Eu falava da vida, do mundo, das coisas do mundo... Eram longas cartas de reflexão sobre a vida. Eu tinha 18 anos àquela época, quase 19. Só queria me expressar, só queria falar... Mas... não tinha quem me ouvisse. Até que um dia - 20 anos depois - adentrei a Primeira Página de um livro que eu nunca tinha aberto. Foi quando alguém me viu, me ouviu e me disse que eu também podia escrever...
Ao falar da primavera já posso ouvir ao longe o vento a cantar canções alegres de felicidade. Ao meu redor o imenso mundo com suas cores e flores. Os galhos a aspirarem o suave perfume que as flores exalam tão abundantemente. Perfume esse que penetra os pulmões, o coração, acariciando a alma. Perfume esse que consola, que conforta, que proporciona paz. Ao falar da primavera a alegria chegou e com ela toda a aridez foi embora. E ficaram a paz, a serenidade e o encanto. Com as flores voltou a certeza de que o amanhã será mais belo e de que novos botões irão abrir para substituir os que se foram. Ao falar da primavera, lembrou-se o verde, o amarelo, o vermelho que voltaram. E com essas cores uma nova esperança de que o mundo também renasça, também se renove como fazem as flores todos os anos. Nossa longa espera será mais alegre, mais colorida porque será assistida por infinitas cores e perfumes. Que bom que as flores brotaram. Que bom que os raios de sol se tornaram mais radiantes. Que bom que você pensou em mim neste momento em que me lê. Estou agora observando e refletindo sobre a maravilha das flores. Umas tão delicadas com perfumes estonteantes. Flores encantadas, lírios, margaridas, rosas, orquídeas e amores-perfeitos. Todas elas expressando com singeleza a enorme força de renascer que possuem. Muitas na varanda, outras no jardim. Algumas perdidas pelas matas e montanhas. Até sobre rochas brotam pequeninas e encantadoras florezinhas. Que bonitas são elas. Tão lindas, com um suave aroma a espalhar. Aroma doce, aroma que expressa toda a beleza da primavera. Até as abelhas que agora vejo o zunir, já perceberam que as flores voltaram perfumando o ar. A pouco vi o rio a levar pequeninas pétalas de flores que já brilharam na verde rama, já mostraram sua beleza e foram enfeitar as águas cristalinas para até que enfim chegarem à margem derradeira e lá esperarem pela sua transformação. Até os pássaros, os beija-flores estão à voar ao redor dos galhos primaveris para sentir o perfume das flores, da natureza. Que belo está o jardim, dizem eles. Que bela está a tarde. Que belo será o amanhecer de mais um dia, quando as pétalas amanhecerem, acordarem molhadas com pequeninas gotas de orvalho a caírem do imenso céu, agora todo azul e sem branca nuvem. Que belo será o dia, a luz do céu com a primavera a expressar todo e qualquer sentimento que trago no canto mais escuro, mais fundo do coração. A primavera com suas cores e flores ajuda-nos a compreendermos o maravilhoso amor de Deus, o criador. Ela nos faz sentir que o perfume da vida deve ser aspirado a plenos pulmões para que nenhuma gota desse perfume se perca no espaço. Ela nos mostra o quanto somos frágeis e ao mesmo tempo fortes diante do mundo, do universo e da eternidade de luzes.
O texto está assim, sem parágrafos porque era assim que eu escrevi, com medo de não conseguir escrever tudo que queria se perdesse tempo com a estética da carta. Mas, colava poesias nas folhas e usava elas em minhas cartas. Essa é um diálogo com a poesia de Vilnei Herbstrith - Metamorfose.