Houve um dia, e está perto, em que fui a mulher mais corajosa do mundo. Um dia onde um abraço deixou em meu corpo o perfume dos cedros e argan. Como uma tatuagem. Como um beijo. Um dia inesquecível, onde pés de coragem subiram escadas e adentram o Mar com um olhar tímido, perdido em ânsias e sentimentos mil que tentavam sair pela boca com as batidas do coração. Neste dia de mil luzes os marcos da terra selaram o destino de duas estrelas ardentes de vida e amor.
As coisas da alma são as mais difíceis de entender. Tantas vezes tentamos ir para um lado, mas as nuances do tempo e das histórias de nossa ancestralidade nos levam para outro. Somos duas luzes que brilham intensamente e por muito tempo caminhavam juntas cada dia, cada hora do dia. E eu não percebia que estava ali porque fui carregada por mãos de anjo. Não sabia que todo cuidado sobre mim era amor.
O zelo em cada gesto, até na mais simples oferenda de água, era, na verdade, amor. Sabia eu que desejavas minhas palavras, que me envolvias em tudo, que me carregavas pela história, pelas ruas de floripas, sem que eu entendesse os motivos. Sempre soube que me tinhas em grande afeição, e tantas vezes disseste: "eu te amo". E eu, sem vacilar, devolvia o afeto: "eu também te amo".
Mas, oh! Quão cegos somos à profundidade das palavras que proferimos! Não compreendi o que estava por detrás de cada ato de bondade, nem a razão pela qual te vi aguardando notícias, quando todos já se tinham ido. Só depois, ao lembrar, soube que eras tu, sempre ao meu lado, mesmo quando eu não percebia.
Lembro-me daquele dia, quando me pediste que escrevesse teu nome num livro – tão distraída eu estava, sem perceber que em cada linha estava também uma parte de nós dois. E hoje, vejo com clareza, eram tuas as mãos que o prepararam , e foram tuas as flores que me chegaram, perfumadas de carinho.
Sabe que eu sempre fico recordando... são as memórias que não se apagam. As lembranças. São 18 anos. Os anos se passaram, as memórias, contudo, permanecem vivas. Em cada 17 de julho, escrevo-te como quem escreve ao tempo; e a cada 8 de março, volto no tempo àquele primeiro encontro, quando enviaste tua primeira carta.
Eu não sei nem o que dizer. Eu fico sem palavras. Sabe quando eu percebi? Quando tua alma falou à minha: fingiu que não me viu. Só quando vi teu olhar, naquela noite sob a árvore, é que algo começou a despertar. O medo tomou-me, medo de que fosse imaginação, medo de acreditar e me perder. Mas a vida revela seus segredos de maneira sutil, e hoje sei, sem dúvida alguma, que estiveste sempre a meu lado.
É isso que me move as lembranças neste instante. Só queria falar. Muito obrigada que me deixou saber. Muito obrigada por todos esses anos de vida. Eu floresci, eu cresci, eu amadureci. Perdi o medo, aprendi falar, aprendi escrever. Hoje eu sei que posso escrever o que eu quero, como quero e não importa se os outros não entendem. Em minhas palavras cabem nós dois. São para você. Nelas estamos nós, eu e você. Em cada linha, também as tristes, as pensativas, as bravias, as desequilibradas, as loucas, as sem sentido. Elas só encontram sentido em você.
Eu nunca deixei de te procurar, mesmo nos anos de silêncio como estes duzentos tempos de auroras boreais se jogando nas ondas do mar em forma de palavras.
Eu não entendia essa coisa cósmica. Mas sentia. Hoje eu sei que você me salvou de morrer. Eu já não estaria mais aqui se não fossem suas palavras, suas cartas que eu lia e relia pra me dar forças. Sim, foste tu que me salvaste. Se não fossem tuas palavras, tuas cartas, que tantas vezes reli nas horas sombrias, eu já teria sido levada pela tristeza. E agora, ao fim de tantos anos, posso dizer, sem temor e com a serenidade de quem conhece a alma: eu te amo.
Não esqueças, jamais, que te amo.