É isso! Queria falar do significado profundo da introspecção. Dessa qualidade de reserva pessoal, de distanciamento do mundo ao redor.
Talvez seja essa a essência do meu viver. Caminho, sozinha, quieta, calada, sem ouvir os rumores do mundo, os gritos de guerra e os açoites dos políticos em busca da autopromoção.
Acho que alcancei um patamar da vida onde nada mais importa. Sigo sem medo de ser eu mesma. E ninguém me pergunta quem sou e está tudo bem. Penso por minha conta, sei o que penso, concordo e não concordo e já não importa mais se os outros pensam ou não pensam como eu, se concordam ou não concordam.
Sim, poderia falar de uma espécie de autossuficiência intelectual ou emocional, esse estado de ser que preserva a própria individualidade e não se expõe facilmente à opinião ou influência externa.
Lembro do tempo em que cachoeiras caiam dos olhos porque alguém via meus poemas como "lápides de túmulos centenários". No choque o choro, na reflexão o orgulho por só Maria construir o edifício das palavras que se igualavam às lápides centenárias - eternizadas e carregando as memórias e as histórias de quem somos, fomos e seremos para o mundo: apenas lápides de túmulos centenárias.
Tantos anos se passaram e tanto já vivi. Tanto aprendi, mas continuo aprendiz em meus voos de alturas, olhando o mestre longínquo e silencioso, mas tão presente como meu próprio sangue nas veias azuladas de sentimentos.
Ah! E me delicio com os poetas. Rio e choro com eles. E me entrego em cada linha e me deixo ir e levar com as águas do mesmo rio que banham suas mãos enquanto escrevem... como fôssemos feitos do mesmo cadinho... E talvez sejamos.
Conquistei o tempo e olho para trás, para as pegadas que deixei e me orgulho que seja eu em cada palavra, em cada linha, em cada verso. Sou eu. Sou eu o poema, a carta, o ensaio, a crônica é minha vida, a prosa, a poesia. A Poesia sou Eu. Chegar nesse limiar e adentrar esse território de paz onde não importa mais se te perguntam: "de quant à soi"? É quase como estar em paz com o próprio "eu", mantendo-se, ao mesmo tempo, distante das interferências de fora. É, sim, a minha força, a alma tranquila, que se conhece, se ama, se basta... mas, mesmo assim não se fecha inteiramente.
Está aberta ao novo, ao extraordinário, à reflexão. Como tantas e tantas vezes já foi dito e falado: olhos meditativos, alma em ebulição... Continuo aberta ao novo, ao mundo, mas, sim, hoje, de uma forma que não busca aprovação, tampouco se deixa moldar por ele.
Essa "distância" é menos solidão e mais uma autoconexão. O que isso define, não sei. Se posso me definir forte e independente?
Deus, sou a mais frágil das asas que bate nestes cantos e melodias que sopro a cada manhã ou ao anoitecer de minha alma afeita às palavras.
De fato... aceito... "De quant à soi" é uma defesa contra o ruído do mundo. Uma quietude profunda e respeitosa com a própria complexidade do ser interior que, apesar de "não sair do próprio quintal", ainda sim sustenta uma liberdade. A liberdade de ser eu mesma, independente de quantas Marias me habitam, de quem seja meu "alterego", de quem olha pelos meus olhos... habita meus sorrisos...
De uma coisa eu sei: dentro o peito bate um coração. E dentro dele uma montanha neblinada de mistérios e segredos. E, ainda, me perguntas "de quant à soi"? Sou eu, Mulher Maria, o Enigma, o Segredo e a Névoa que abraça a montanha em profunda devoção e amor.
Foto: JESFK
Dedico esta carta a quem me habita e me olha pela janela do tempo profundo em todas as horas do dia já há tantas e tantas horas do tempo do tempo que não sei mais contar...
28 de outubro de 2024.