"E o silêncio que ficou após a partida dele é como um vazio imenso, que engole todos os sons e todos os gestos. O tempo, que antes parecia espremido por cada segundo ao lado dele, agora passa lentamente, como uma maré que recua, deixando o cenário desolado e sem cor. O céu, cinza, se torna um espelho da dor, da ausência. É como se o mundo tivesse parado de girar, mas o coração ainda continuasse batendo, apesar de tudo" (Maria, em um outubro da vida).
E o mote se fez! E o texto nasceu torto, mas cheio de sentimento, como uma flor que se abre as lágrimas dos olhos que regam suas raízes mais profundas...
No entanto, queria com ele ter feito um poema, na verdade um Rondel, com aquela linguagem arcaica, com a métrica e o tom lírico mais tradicional, com ecos de saudade e melancolia em cada verso. Que tivesse um tino poético medieval e renascentista, mantendo o ritmo circular e repetitivo.
"Partiste, e o silêncio ficou,
No peito a dor, cruel, medonha,
A sombra d’alma que se sonha
Em vão, onde o amor se apagou.
O céu cinzento se fechou,
A vida jaz, triste e tristonha,
Partiste, e o silêncio ficou,
No peito a dor, cruel, medonha.
Por que, então, minh’alma ensonha
Teu nome, que em mim se finou?
Se tudo o que restou, risonha,
Foi saudade que me queimou...
Partiste, e o silêncio ficou".
Aqueles rondeis que perdemos a vontade de respirar ao ler, tal a sonoridade e a beleza... queria... ah, como queria ter feito um rondel extremo assim...
Um rondel a la Guillaume de Machaut, com suas repetições, rimas e uma musicalidade intrínseca. Um rondel com aquela circularidade que reflete o tema da saudade e da ausência de forma cíclica e melódica, ao estilo de Machaut.
O silêncio ficou, tão vasto e frio,
Engole os sons, esvai o gesto,
O tempo lento, em dor funesto,
Maré que recua, vazio sombrio.
Cinzento o céu, num calmo cio,
Espelha a dor, o mundo inesto,
O silêncio ficou, tão vasto e frio,
Engole os sons, esvai o gesto.
O coração, batendo a fio,
Mesmo que o mundo cesse o resto,
Sem cor, sem vida, descompresso,
É dor que vaga no desvio.
O silêncio ficou, tão vasto e frio".
E quem sabe se eu pudesse fazer um rondel ao estilo de Christine de Pizan. Poderia enfatizar a delicadeza e a introspecção típicas de suas obras, com uma voz feminina forte e uma profundidade de reflexão sobre temas de dor, ausência, e questões humanas e emocionais que a poetisa trazia.
Se eu tivesse o estro de Pizan em mim, eu também seria conhecida por minha capacidade de expressar sentimentos de perda, saudade e também de resistência, tudo com uma linguagem intensa, profunda, rica e fluida. E meu poema seria escrito assim:
"A dor que fere o peito em vão reclama,
Pois ele se foi, e com ele a cor
Do mundo que outrora em luz se inflama,
Agora, só resta um silêncio de dor.
O tempo, que outrora corria em chama,
Agora se arrasta, sem mais vigor,
Como maré que recua e clama,
Por ecos perdidos de nosso amor.
Ó céu cinzento, espelho da ausência,
Testemunha fria de tanto sofrer,
Por que não trazes de volta a essência
Do que ele foi, do que é viver?
Ah, vazio cruel, tão fundo e intenso,
Como suportar tal dor imensa?".
Mas se eu não pudesse ser Machaut ou Pizan e quisesse escrever meu poema ao estilo dos troubadours (da Occitânia) e dos trouvères (da França), precisaria enfatizar os elementos líricos, musicais e românticos, uma vez que esses poetas medievais geralmente tratavam do amor cortês (ahhhhhh, o amor cortês - meu preferido), das emoções profundas e da devoção amorosa. A linguagem de meu poema seria mais formal, rica em metáforas, e com um tom de adoração e lamento. Amor, faz um poema assim pra mim! Eu adoro!! Eu amo!!!!
Se eu tivesse o estilo desses trovadores meu poema ficaria assim:
"Partiste, e com tua ida levaste
A doce música que o amor entoa,
E agora o mundo, triste e descomposto,
Tange um silêncio que ninguém perdoa.
O tempo, que outrora ligeiro passava,
Agora se demora como mar revolto,
Deixando esta alma, só e devastada,
Num deserto de tristeza envolto.
Ah, nobre cavaleiro, meu doce senhor,
Sem ti o céu cinzento não tem fulgor.
Minha alma clama por teu semblante,
Mas o vento só responde distante.
No vazio que em mim deixaste,
Resta-me o eco do amor que juraste".
Ah! Eu me dobro até o chão diante um poema de amor cortês...
Se eu pudesse escrever como eles, com a influência clara do amor cortês, em que o eu lírico expressa um amor devocional e uma melancolia em tons nobres - ahhhhhhhhhhhhh!!!. E meu poema teria a repetição do sentimento de lamento e saudade típica dos trovadores e trouvères, que exaltavam o amado ou a amada com uma linguagem altamente elaborada e musical, evocando a dor da separação e a reverência pelo ser amado - ahhhhhhhhh!
Mas... eu também queria ser sonetista. E poderia escrever um soneto do meu poema... um soneto... um soneto no lirismo melancólico de Florbela Espanca, refletindo a tristeza da partida e o sofrimento da saudade. A dor visceral da distância e do silêncio, o vazio da falta de toque, o lamento da ausência do pele a pele... E soneto ficaria assim:
"Partiste sem um gesto, sem um olhar,
E o céu desfeito em lágrimas se esconde,
No peito, a dor que nunca mais responde,
E a alma, presa à noite, a soluçar.
Os dias passam lentos, sem cessar,
O tempo já não traz o que se esconde,
E o coração, que em lágrimas responde,
Recusa, em vão, a vida a desatar.
Em sonhos te procuro, oh triste espelho,
De um amor que se foi, em vão chamando
Teu nome, que no vento se dispersa.
E neste peito aflito e sem conselho,
A dor de te perder vai-se formando,
Num grito que à saudade já se versa".
Ou, quem sabe, um soneto ao estilo de Luís de Camões ou Gregório de Matos, que inclui a influência de Quintana em seu lirismo delicado e reflexivo. Poderia escrever assim:
"Partiste, e em silêncio o mundo chora,
Nos véus da noite a dor em mim se aninha,
O tempo esvai-se, lento, e me avizinha
Da solidão que em tudo se devora.
Os passos teus, memória que aflora,
No coração são voz que ainda caminha,
E em mim persiste, leve e tão sozinha,
A sombra desse adeus que me apavora.
Quem dera fosse o tempo um breve laço,
Que à tua ausência me tornasse imune,
E não sentisse o peso do cansaço.
Mas vago pelas horas, sem destino,
Na ânsia de encontrar o que resume
O amor, que jaz no peito, peregrino".
Um soneto que abordasse a temática da ausência e da saudade com o lirismo intenso e melancólico que é característico da poesia clássica, mesclando a musicalidade de Quintana e a profundidade de poetas do século XVII. Eu queria ter feito um soneto assim. Eu até tentei ali em cima... Mas Camões, Gregório de Matos e Quintana não tiveram mais tempo de atestar se haveriam traços de seu sonetar em minhas mal traçadas linhas...
Também queria escrever o soneto como fosse um texto intenso e profundo escrito por Albert Camus, com seu tom existencialista, carregado pela tensão entre a busca de sentido e o absurdo da condição humana. O sentimento de abandono e o vazio, tão presentes em seus escritos. Meu soneto falaria que a dor da perda seria enquadrada em um contexto de inevitabilidade e indiferença do universo. Algo assim:
"Ele se foi, e o silêncio que restou foi mais que uma ausência. Foi a confirmação do que sempre soubemos: estamos sós. Naquele momento, quando seus passos ecoaram pela última vez, eu senti a inevitabilidade do fim, a presença implacável do vazio. O tempo, antes marcado pelo ritmo apressado de nossas conversas e encontros, agora se estica, tornando-se um fardo. Cada segundo se arrasta, como se quisesse me lembrar que o absurdo governa tudo.
O céu, com sua vastidão cinza, não reflete minha dor; ele a ignora. O universo, indiferente, segue girando, enquanto aqui, preso ao eco da partida, percebo que, no fundo, não havia nada a segurar. Porque ele, como tudo, nunca me pertenceu. A ideia de posse é uma ilusão. O coração, tolo e insubmisso, ainda bate, teimando em sentir, como se o amor pudesse ter algum significado. Mas o mundo não oferece respostas para essas angústias. Apenas o silêncio.
As lágrimas que deslizam pelos meus olhos são a prova de uma revolta contra o inevitável. No entanto, sei que o destino é sempre este: deixar ir. Tudo o que nasce está destinado a desaparecer. E nós, humanos, carregamos em nós essa maldição de buscar sentido onde não há. Ele se foi, e o único grito que resta é o de minha própria consciência, que me lembra que, mesmo na perda, há liberdade. Mas liberdade a que custo?".
Se eu fosse Camus (meu poeta amado) eu seria uma escritora profundamente influenciada pelo absurdo e pelo niilismo, e transformaria meu poema em uma reflexão sobre a fragilidade humana diante do tempo e da ausência de sentido no universo. A dor da perda, em minhas palavras, seria vista como parte do ciclo inevitável da vida, onde a liberdade reside em aceitar o absurdo. Ah! Se eu fosse Camus! Se eu só fosse Camus! Queria ser...
Mas eu também poderia ser Pessoa! Com sua controversa beleza poética e sua delicadeza aternurada de profundidade e leveza ao mesmo tempo em que se afundava na musicalidade do vazio do nada e do tudo, no questionamento da existência do ser, da ambivalência entre o não e o sim, entre o ser e o não ser...
Se meu poema fosse reescrito na voz de Fernando Pessoa, ele provavelmente teria um tom introspectivo e melancólico, marcado pela fragmentação emocional e pela complexidade de sentimentos contraditórios. Ele traria em suas entrelinhas o dilema entre o ser e o não ser, o efêmero e o eterno. Seria uma meditação sobre a dor e a perda, mas também sobre o reflexo da natureza e da alma humana:
"Ele se foi. E ficou o vazio. Um silêncio que é mais do que a ausência de som, é a ausência de tudo. É como o mar que se retira da praia, deixando apenas a memória de sua presença. O céu, cinza como um campo sem flores, não sabe o que é a dor. O universo, em sua indiferença, continua a girar, sem se importar com as perdas humanas, com as partidas que nos fazem menores.
Eu, que sempre pensei que tudo era possível, agora vejo o quanto é impossível segurar o que é, por essência, fugaz. Ele se foi, como tudo se vai. A vida, essa coisa estranha e inconstante, leva e traz, sem que saibamos o porquê. O coração, esse ser irracional, continua a bater, como se ainda tivesse algo a esperar. Mas o que é esperar, senão uma ilusão que nos mantêm vivos enquanto estamos mortos?
A dor que me resta é uma dor cheia de palavras não ditas, de gestos que não se concretizaram. É um rio que corre em meu peito, mas que nunca chega ao mar. E eu, que já não sei o que sou, me vejo perdido dentro de mim mesmo, preso na consciência de um fim que não sei como enfrentar. O grito que não sei dizer, o lamento que não se forma, são tudo o que me resta.
Ah, se ao menos o tempo fosse menos cruel, se as coisas não fossem assim, tão efêmeras... Mas o que é o tempo senão uma mentira que contamos a nós mesmos, para que possamos viver? E agora, ele se foi, e eu continuo a respirar um ar que já não tem sentido. O que resta, afinal, senão o que nos faz lembrar do que já não pode voltar?"
Pessoa, com sua profundidade filosófica e seu sentimento de fragmentação interna, colocaria a partida como algo inevitável e simbólico da natureza efêmera da existência. A dor da partida do meu poema estaria intimamente ligada ao confronto com a realidade do ser, e o meu texto, se eu fosse Pessoa, soaria como um monólogo interno onde a perda refletiria uma busca eterna por sentido, embora o próprio Pessoa reconhece em sua verve que esse sentido, muitas vezes, não existe.
No entanto, eu poderia ser Maria... Ah! Sim, eu poderia ser Maria - a poetisa de meus pra dentro, das paredes de minhas cavernas interiores, das grietas da alma... Seu eu fosse Maria talvez seria com Pessoa que mais me identificaria, assim, assim, com essa linguagem intimista, íntima, profunda e contraditória que ele escreve... E teria como marca forte do meu estilo essa busca constante por uma profundidade emocional, o confronto com as contradições internas e o diálogo com as diferentes faces de mim mesma. E o texto traria ao mesmo tempo uma riqueza interior e as vulnerabilidades e fragilidades que são tão essenciais para o que escrevo, mas não consigo alcançar. Penso que a influência de Pessoa, com suas máscaras e suas múltiplas vozes interiores, poderia se encaixar bem com essa dinâmica de me fazer compreender as multidões de Marias que me habitam e que saltam no texto com as palavras. Ah! Se eu fosse Maria... se eu só fosse Maria... essa que não fala assim, mas coloca tudo nos textos... Eu escreveria o poema assim:
"E o silêncio que ficou após a partida dele é como um vazio imenso, que engole todos os sons e todos os gestos. O tempo, que antes parecia espremido por cada segundo ao lado dele, agora passa lentamente, como uma maré que recua, deixando o cenário desolado e sem cor. O céu, cinza, se torna um espelho da dor, da ausência. É como se o mundo tivesse parado de girar, mas o coração ainda continuasse batendo, apesar de tudo.