Entre o peso das sombras
e o silêncio das madrugadas,
sou espírito em contemplação,
fragmentos que já não escondo,
mas aceito, prolongando-me
entre falhas e incertezas.
Dormir com as inquietações,
acordar com as decrepitudes,
é viver sem a promessa
de transformação ou fuga,
apenas existir,
sem a pressão de criar sentido,
sem a necessidade de agradar.
Rejeito a realidade inventada,
a ilusão da perfeição que não sou.
Não mentirei mais para mim mesma,
nem cantarei para ouvidos surdos
que nunca souberam me escutar.
Sou a guerreira vencida,
o caco esquecido na beira da estrada,
o trapo que ainda guarda histórias
nas fibras puídas pelo tempo.
Minhas janelas não despertam mais,
mas ainda refletem um céu
que já não alcanço.
E, na quietude que abraço,
há uma força muda,
não de quem luta,
mas de quem aceita.
Sou o que sou,
com meu cansaço e minhas feridas,
não mais à procura de ser outra,
mas reconciliada com o que já fui,
e com o que talvez nunca serei.