Tempo de Aspásia
De certo que não vivi neste tempo de Aspásia - tempo em que - dizem os homens 'sem mente' - as mulheres não tinham alma. Foi tempo criado, que nunca existiu. Em minha ancestralidade de milhões e milhões de anos-luz do tempo do tempo eu sei: minha alma vive lá, nos meandros de meus pra dentro. Como poesia e inspiração, como poema e coração... como vestígios de estrelas dançando em círculos secretos, onde o tempo não é cronológico, mas simbólico, feito de sensações e lembranças que a memória não conta, mas o corpo guarda. Ah! E como guarda o corpo. Não fui Aspásia, mas sou todas as mulheres, as poetisas, as senhoras - nascida das cinzas de bruxas queimadas e das vozes silenciadas em salões de mármore. Em mim há o peso e a leveza de cada mulher que sonhou quando não podia, que falou quando lhe disseram 'cale-se', que amou com toda a alma mesmo quando diziam que ela não a tinha. Minha alma, sim, como a delas, sempre foi. Como o vento que canta antes da palavra, como o ventre que gesta a criação, como a lágrima que não pede licença para cair. E tu, que agora me lês, sabes: essa alma também pulsa em ti. Por isso, pinto num poema essa alma ancestral, e ela se faz alma poesia, palavra, poesia visual! Uma alma, uma mulher feita de estrelas, raízes e palavras, entre véus e constelações! De certo que não vivi neste tempo de Aspásia - tempo em que - dizem os homens 'sem mente' - as mulheres não tinham alma. Foi tempo criado, que nunca existiu.
Arte: Aurora, me lendo.