De nada sei do que pensava Heráclito. Não entendo seu Panta Rhei, mas sei que eu a cada manhã não sou mais eu mesma. Por isso, não Sou, Eu Estou Sendo... Talvez seja isso a transitoriedade do ser, o movimento contínuo da existência. Se tudo flui... deve haver um fluxo contínuo do tempo e da vida. Não mais sou, estou-sendo e posso vir-a-ser.
Talvez, talvez Nietzske tenha razão, como posso Eu, Maria, saber? É vital o devir e aceitá-lo é aceitar a vida em sua totalidade já dizia o filósofo. É onde entram nossas dores, nossas alegrias e contradições. A loucura de nossa lucidez aos abrir os olhos pela manhã. Pode-se acreditar na ideia do eterno retorno, ao ciclo infinito das experiências.
E o que dizer de Deleuze? Olho seus passos. Sei que vai mais longe. O vir-a-ser não significa apenas mudança, mas o próprio movimento criador - do tempo? da vida? da linha de fuga? Se o Devir não é alcançar algo ou alguma coisa, mas dela escapar, a vida é se deixar transformar, multiplicar - ou deveria falar também somar, subtrair, dividir? Quem multiplica deve entender de outras equações matemáticas. Pode ser que até conheça a fórmula de Báscara ou o algoritmo mãe que nos tornou ser vivente. Não é sobre tornar-se algo definido, mas se deixar abrir ao que pode ser... aceitar a impermanência da vida, mas, contudo, também, celebrar a potência da transformação, a possibilidade de um novo caminho, um novo movimento, uma nova forma de ser... em minhas fragilidades, vulnerbilidades, mas... também.... em minha força, minhas potencialidades, possibilidades e probabilidades de um novo instante, novo tempo, novo momento, novo vir-a-ser... O Devir de Mil Platôs (com Guattari) não é linear, não tem forma fixa (tornar-se mulher, tornar-se flor...). Tudo é processo sem ponto final... É sempre entre... dentro... meio sem fim... como o rizoma, conexão por linhas de fuga, por encontros imprevistos, transversais, desenhando-se em múltiplos caminhos... ruptura com a ideia da essência, da teleologia. Devir é potência, multiplicidade, produção. Em Deleuze o Devir é potência nômade, força de ruptura, movimento anti-identitário.
De nada sabia do pensar Bergsoniano. Seu Devir é La Durée, o tempo real não é maquinal (não é uma linha reta ou um círculo definido), não é aquele medido, dividido, espacializado, mas sim o tempo vivido, interno, fluido, contínuo - um fluxo indivisível de consciência e memória, que não se repete e que cria o novo a cada instante. Em Bergson o Devir é tempo criador. Tem intuição, consciência. Um devir criativo não só transformação, mas criação genuína, pura, contínua de algo novo... O Devir como uma canção, uma melodia: rola, se desenrola, flui, se transforma quanti e qualitativamente. Se retorna pode retornar diferente. Não há idas e voltas idênticas - há o instante diferente, autêntico. É quando entra a intuição - mais do que o intelecto - para compreender a temporalidade e a espacialidade viva da vida...
E o que pensa Maria do Devir? Sou mais Bergsoniana. Para mim o devir é como a aurora boreal e isso é mais parecido com o devir de Bergson. Eu comigo mesma em movimento contínuo. Para mim o devir se move, transforma, muda de cor, de dimensão, de densidade, se veste de nuances, de sombras e luzes, de névoas e chuvas, dança... é um movimento de ir e vir, cá e lá... e o tempo? o tempo é o espaço - são a mesma coisa - onde a vida acontece... e o que penso que é o devir? é o instante vivido no tempo e no espaço... nele posso ser, mudar, transformar, acertar, errar, pensar, parar, caminhar... é o tudo e nada ao mesmo tempo, a totalidade, a neutralidade, as quatro equações da vida... um dia a mais, um a menos. Um a menos para viver, um a mais vivido. Tudo interligado, amarrado, solto, preso, não aprisionado, perto, longe, embaixo, em cima, dentro, fora... Ah - nem tenho mais palavras para falar... pensar... escrever... tão intenso é meu sentir o Devir... E devir, para Maria, também é isso - sentimento, emoções... Sentir... viver... Estar sendo... eu, não eu mesma... vir-a-ser. Vir-Maria-Ser.