Eu sempre me permito perguntar. E consigo compreender que uma pergunta é mais terapêutica e libertadora do que qualquer resposta fechada. E a pergunta que me atravessa neste momento é: você também pira pensando nessas coisas? É que eu fico pensando na tua dor, sabe? Eu fico pensando em ti, em como é tão difícil você se libertar de tudo aquilo que você viveu no passado, de tudo aquilo que você sofreu, de tudo aquilo que te rasgou o peito por dentro, te rasgou a alma, te fez chorar tantas e tantas e tantas e tantas vezes, sabe? E não foi só você, eu fico pensando nisso e fico pensando que cada vez que isso é revivido, isso se torna presente outra vez. Que cada vez que isso é trazido de volta lá do passado, isso se torna tão vivo, isso se torna tão cru, isso se torna tão, tão, como se tivesse sangrando novamente. Tu também pensas assim? Ou sou eu que estou enlouquecendo e fico pensando no que vejo, no que leio, no que ouço e minha mente vai e navega... e voa... e ao estar no ar ela se dilacera, se enrosca, se atrapalha, tropeça e é tudo tão confuso... E assim também é dentro de mim, sabe? Assim é esse caos, é como se existisse aqui dentro uma roda gigante, uma coisa girando, girando, tipo um caleidoscópio, caleidoscópio de luz e de trevas e de nuvens e de sol e de chuva e de vento e de pedra, tudo ao mesmo tempo e aquilo fica girando, girando, girando e fica batendo, batendo, batendo e fica voando de um canto ao outro dentro de mim, assim, sabe? Eu fico pensando naqueles filmes antigos de Hitchcock, os pássaros voando, se batendo contra as paredes, os penhascos, não só nos filmes, mas em na vida em si, fugindo de uma tempestade, se perdendo dentro dela e se deixando levar e ao mesmo tempo lutando para sair. O que fazer com todas essas coisas, esses pensamentos, essas perguntas, o que fazer com tudo isso? O que fazer com as imagens dos pássaros se debatendo, do desespero que se sente quando não se sabe mais pra onde ir? Sabe? Às vezes, às vezes, somos como esses pássaros: presos numa casa com janelas abertas para o medo. Mas então ? O que a gente faz com tudo isso? Para mim... A gente escreve. A gente fala. A gente chora, mas não se cala. A gente transforma o turbilhão em música. A gente transforma o caleidoscópio em imagem. A gente transforma a dor em ponte para outros que também se sentem perdidos e não têm palavras. Eu tenho palavras. E isso seja um dom - mesmo que doa carregá-lo.