Cansada De Ser Mulher
não sei. hoje me sinto cansada. cansada de tudo. de ser mulher, de ser menina, de ser gente, enfim.
estou cansada de limpar o chão, lavar louças, roupas, passar, limpar banheiro, arrumar camas todos os dias, todos, todos os dias.
estou cansada de cuidar da casa como se eu fosse capaz de verdade. mas também me sinto mal em pensar que eu gostaria de não fazer nada disso e que outra pessoa fizesse por mim. porque eu seria diferente? porque outra pessoa deveria limpar o meu banheiro, lavar a minha roupa se nem eu tenho vontade de fazer?
não sou diferente de ninguém para merecer ficar sem fazer nada enquanto alguém faz tudo por mim.
será que queria que alguém fosse mulher pra mim também?
ai, meu Deus! cada coisa que me passa na cabeça. cada pensamento que me assola. e eu não sei o que fazer.
estou cansada do telefone, do msn - não aguento mais, da campainha, da gritaria das crianças na escola, dos pais brigando com os filhos na rua, estou cansada.
cansei de ir na igreja e ver todo mundo fingindo que está bem, quando lá no fundo eu sei, eu sei, todos, todos estão passando por algum problema. eles só não tem coragem de falar e compartilhar e por isso suas caras são sempre assim: lindas, cremosas, pintadas, cheia de sorrisos.
mas eu estou cansada disso tudo. das brigas e embates para o mundo mudar. e eu acredito que posso ajudar, acredito que ele pode mudar, mas eu cansei. meu Deus, eu cansei.
queria só fugir, ir para um lugar distante, onde ninguém, ninguém me encontrasse e lá me debruçar sobre meus joelhos e chorar todas as lágrimas que eu desejo chorar e não posso. porque tenho de ser forte. porque tenho de segurar as pontas. mas estou cansada de segurar as pontas.
a vida toda eu fiquei segurando as pontas, de algo, de alguém, de alguma coisa. toda minha vida. toda. toda minha vida eu tive de ser forte e segurar as pontas.
mas eu não sou assim. me sinto pequena. frágil. tenho medo. sim, sim. eu tenho medo também. sei que dizer isso quando se chega a quase meio século de vida é uma loucura, mas eu tenho medo.
medo de me perder na rotina e esquecer de mim como sempre fiz. medo de me deixar levar pela pressão dos amigos que não entendem que não sou como eles. não tenho os mesmos sonhos.
medo de não ser tudo o que eu sonho ser e de ser também. medo de ser nada e de não ser alguma coisa também.
às vezes não tenho coragem de me olhar no espelho.
porque queria ser diferente. queria ter outra boca, outros olhos, outra face. queria ser magra, ser morena ou loira e queria parecer uma Helena. prá ser amada e admirada pelo sol como uma mulher de verdade.
às vezes eu me olho no espelho e não me vejo e me atormento com bobagens, com pensamentos negativos.
vejo os cabelos brancos que há anos já me prateiam a face. vejo os pés de galinha se formando ao redor dos olhos, a pele cheia de sardas (malditas sardas). e só vejo o que não gosto, o que não quero em mim.
e fico pensando se todas as mulheres são assim também. se elas também se cansam como eu, de ser mãe, esposa, amante, filha, irmã, tia, amiga, prima, dona de casa, empregada de mim mesma.
será que as outras mulheres também passam por isso? parece que não, porque olho e todas me parecem felizes, satisfeitas.
só maria não. maria queria largar tudo, sumir, desaparecer. fugir para um lugar deserto, construir um castelo de brisa e ser uma princesa dele. nem que fosse por um dia só.
e ser cuidada por um anjo com jasmins nas mãos e amor no meigo rosto. receber flores no mensageiro, um beijo ao acordar, e passar o dia nos braços amados, sem culpa de não estar fazendo nada, cuidando da minha vida e da dos outros.
queria, nem que fosse uma vez só, ter meu sonho realizado. mas que posso fazer? que posso fazer? meu Deus, o que posso fazer, se meu sonho pensa, sente, reflete, é louco e sábio?
e que posso fazer eu, meu Deus, se meu sonho tem que ser mais sábio do que louco? que posso fazer?
nada mais posso fazer. nada. nada mais. e isso me torna, me faz sentir ser a mais pequena, a mais impotente das mulheres... aquela que se olha e se diz:
- nem ser mulher de verdade soubeste ser.
porque.. faço. porque posso e sei fazer tanta coisa pelos outros, mas por mim... por mim, por mim maria, não pude e não posso fazer mais nada.
e talvez seja por isso que me sinto assim. talvez seja por isso que estou assim, tão cansada... muito, muito cansada... cansada até de ser... mulher.
Maria
Enviado por Maria em 05/03/2008