Maria
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O Padre E A Professorinha
Ela, apenas dezenove anos e professorinha no interior de uma pequena cidadezinha. Somando os moradores do interior com os da cidade não passavam de cinco mil.

Desses, menos da metade era eleitor. E viviam a política o ano inteiro, o dia inteiro. Não havia dia em que não se comentava sobre a ladroagem na prefeitura. Se acontecia uma briga na colônia, podia contar que a política estava envolvida, se não fosse problemas entre os moradores ou comunidades vizinhas.

Lecionava no período da tarde para duas séries ao mesmo tempo. Na primeira série, cinco alunos e na segunda, apenas dois. Mas para uma escola do interior, onde naquelas épocas tão longínquas era difícil convencer os pais a enviarem os filhos para a escola, era um marco especial cinco alunos na primeira série.

Sua vida era calma e girava toda em torno da escola e da pequena colônia de agricultores, em sua maioria italianos. Morava com uma dessas famílias que vivia do cultivo das culturas de trigo, soja e milho, e da venda do leite.

A cada manhã, lá pelas quatro horas, todos se levantavam, até o menorzinho de apenas sete anos, e munidos de baldes e canecas, iam para o estábulo tirar o leite das vacas. Ela permanecia dormindo, até que Izabel, uma das meninas vinha para casa preparar o café da manhã e a acordava.

O que mais a surpreendeu nos primeiros tempos em que lá estava, é que no café da manhã era servido na verdade um lauto almoço. Izabel preparava polenta, arroz, feijão, ovos fritos ou carne, além do pão, salame e queijo colocados sobre a mesa. Enquanto saboreava seu pedaço de pão com manteiga, observava a família já na primeira refeição substâncial do dia.

Todos faziam uma oração e com muito respeito, os filhos esperavam os pais se servirem primeiro, depois ela, e por fim, e só então, era permitido aos filhos tomarem o alimento. Não usavam xícaras como ela era acostumada, mas copos para o leite e o café feito na hora e coado no pano.

O café da manhã era a mais longa refeição do dia e todos os assuntos da família eram conversados e discutidos naquele momento. Era também a única refeição onde todos os membros da família estavam juntos.

Já o almoço acontecia em duas partes. Uma, antes ainda das 12:00 horas, para os que iam para a escola que ficava a mais de três quilometros da casa, e a outra, mais tarde, após as 12:00 horas, para o restante da família.

Como integrante da colônia que agora era, dedicou duas noites da semana, quando não chovia, para visitar os moradores, dando preferência para os que possuiam filhos na escola, mesmo não sendo seus alunos.

Dessa maneira foi se integrando à vida na comunidade. Participava das missas aos domingos, mesmo não sendo católica, e nas promoções da juventude aos sábados à tarde. Chamava a atenção que na igreja os homens sentavam de um lado da nave e as mulheres do outro.

Uma vez por mês, ela ia para casa, visitar seus pais. Muitas vezes, conseguia uma carona até o local de 'pegar' o ônibus, que ficava a dez quilometros da vilazinha ou então precisava fazer todo o percurso a pé. A estrada era de barro vermelho e se tornava uma lama só quando chovia. Inúmeras vezes conseguia uma carona com algum morador, de carro, caminhão, trator e até de colheitadeira.

Numa sexta-feira, no aniversário da colônia, todos moradores se reuniram para uma missa. Participou da mesma, e por sugestão da família onde morava, fez a mochila e pediu carona ao padre para a cidade. Poderia assim, ficar todo o fim de semana com os pais.

Conversou com o padre que não lhe negou o favor, mas avisou que passaria em outra comunidade para mais uma missa.

E lá foi ela, num velho fusca azul, pulando pelos buracos das estradas do interior.

Chegaram à comunidade do Feijó, como era chamada. Os colonos esperavam em frente à igreja. Agitados, nem bem o padre saiu do fusquinha, começaram a falar ao mesmo tempo.

O padre gritou e pediu silêncio. Alguns homens se encolheram nervosos enquanto um grupo se adiantou para mais perto do padre. Ela também saltou do fusca e ficou ao lado da porta da igrejinha, observando e ouvindo a conversa.

O grupo que se aproximou do padre fazia parte da liderança da comunidade e começou a expor o problema: Uma briga com os moradores da comunidade vizinha. E quanto mais contavam, mais se alteravam, e por fim a comunidade toda já falava ao mesmo tempo outra vez.

A briga havia se iniciado devido ao fato de que as duas comunidades marcaram uma missa de primeira comunhão para o mesmo dia e horário. E pelo que entendeu, a comunidade do Feijó, exigia que o padre tomasse o partido deles.

Ele se recusava a tomar partido de uma ou de outra, e pedia que as duas comunidades sentassem juntas e decidissem ou fazer na igreja de cá, ou na de lá, no mesmo dia e hora, ou marcarem dias e horários diferentes para o evento, pois que após a missa realizavam um almoço do qual também não abriam mão da presença do mesmo.

E a discussão não tinha trégua. O padre não tomava partido, e o povo ia esquentando os ânimos. Começou a sentir um frio no estômago quando um grupo de membros da comunidade começou a atiçar os outros contra o padre.

E foi um instante só para que o padre perdesse o controle da turba que avançou em sua direção, para "enchê-lo de osso", como gritavam.
O padre foi se retirando, vindo para perto do fusquinha debaixo dos gritos de:
- "Pega, vamos acabar com ele, padre traidor", e assim por diante.

Por fim, gritou assustado para que ela corresse, e os dois entraram no fusquinha que arrancou estrada afora, debaixo dos gritos e pedradas da comunidade.

Ela tremia. Ele lívido, não dizia uma palavra.

Quando chegavam perto da pequena cidade de Independência, o padre, sentindo-se seguro, parou o fusquinha, olhou para ela com lágrimas nos olhos.  Juntos agradeceram a Deus terem saído ilesos.

Foram olhar o carro. As marcas das pedras estavam na lataria já sofrida do fusquinha. Ele lamentava o estrago e pediu desculpas a ela pelo incidente.

Nem missa houve. E ele ainda teria de resolver o problema entre as duas comunidades.

Ele não conseguia entender o que tinha acontecido, e para ficar mais fácil de aceitar, repetia sem parar:
- É a vida! É a vida!.

E essas palavras, é a vida, ela passou a usar, pois nunca mais esqueceu.

É. Sim, é. É a vida, é a vida, maravilhosa vida, com suas cores, suas dores, suas lutas, labutas e vivências mil.
Maria
Enviado por Maria em 07/03/2008
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