Minha respiração ainda está alterada pela raiva que me dominou diante das atrocidades que vemos todos os dias acontecendo ao nosso redor.

E me sinto culpada. Culpada de não fazer nada.

De fazer parte desta corja que se senta ao redor de uma mesa de vez em quando, para decidir sobre a vida dos outros e na verdade não sabe nem o que acontece na realidade.

E eu, que já estive lá, do outro lado? Que morei em vila (favela), que passei fome, que chorei de dor, de frio;

Que andei a maior parte de minha vida descalça (e até acostumei - ando até hoje);

Que tinha só uma muda de roupa para usar na igreja, e outros míseros trapos para usar em casa;

Que não tinha banheiro dentro de casa, mas sim, uma "casinha", "patente", - como chamavam na época -, lá nos fundos do quintal;

Que não tinha chuveiro elétrico, e onde você tinha duas opções: banho de tacho, ou banho naqueles chuveiros pendurados com cordas que você tinha de abaixar, encher de água (e então a mãe colocava uma chaleira de água quente, para cada um de nós, junto com a água gelada), erguer rapidamente e tomar banho bem ligeiro, porque a água acabava logo;

Que o papel para encapar os cadernos da escola eram aqueles onde vinha o pão da padaria enrolado (aliás, dia de festa, quando o pai comprava pão de padaria), ou as compras do armazém;

Que a "conga" para ir à escola tinha de durar o ano inteiro, e se furava no cantinho do pé, a mãe costurava um pedaço de pano parecido e a gente usava igual;

Que...

E tudo isso e muito mais eu vivi e experimentei durante minha infância, e agora me pergunto:
- O que tenho feito para ir ao encontro das ânsias daqueles que nadam cada dia no lodo da miséria, da fome, da falta do que vestir, falta de medicamentos, atendimento decente nos seus problemas de saúde, e, e...?

O que tenho feito?

Já tive fome...

E hoje, o que tenho feito para que meu próximo tenha o que comer?